segunda-feira, 24 de maio de 2010

Lançamento: Novo livro de Aleilton Fonseca: A mulher dos sonhos & outras histórias de humor


C O N V I T E
Lançamento do novo livro de Aleilton Fonseca:
A mulher dos sonhos & outras histórias de humor

Dia 5 de junho, sábado, das 10 às 13h30
Local: Livraria LDM , Rua Direita da Piedade, 20
Piedade- Salvador - Bahia
Tel. 2101-8000

Aleilton Fonseca é conhecido pela densa atmosfera de seus contos e romances, repletos de situações dramáticas encarnadas por personagens cujo maior desafio é encontrar-se e encontrar o outro, revendo o passado e revisando os sentidos de suas vidas. São histórias que emocionam, levando os leitores mais sensíveis à emoção e às vezes até às lágrimas.

Um autor dessa estirpe poderia escrever histórias de humor capazes de arrancar boas risadas? Este livro é uma ótima resposta. Aqui o leitor é surpreendido por 25 narrativas curtas, envolvendo situações do cotidiano, com jeito de relatos e toques de imaginação, cheias de ironia e senso de humor. São histórias plausíveis, encenando situações inusitadas e hilariantes – mas, ao mesmo tempo, tão realistas – que, por mais bizarras que sejam, parecem ser recolhidas diretamente da vida real.

O ficcionista controla a intensidade narrativa e dosa as peripécias a fim de conduzir o leitor a perceber gradativamente a armação da trama lúdica e humorística, concluindo cada relato com uma frase lapidar que condensa o sentido da trama e provoca o riso irremediável.

Como salienta Gerana Damulakis, as histórias deste livro são “muito bem contadas, inteligentes, vindas do observador – característica mor do escritor – e do sujeito que anda de mãos dadas com as ironias da vida.

sábado, 15 de maio de 2010

Prêmio Nacional da ABL






Mais informações no site:

http://www.academiadeletrasdabahia.org.br/hotpremio/index.html

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O VOO DOS ANJOS - Aleilton Fonseca


ÍAMOS PELA AVENIDA AFORA, CONDUZÍAMOS O ANDOR DEVOTO. Havia mais mulheres que homens, mais meninas que meninos, nessa procissão leiga, oficiada por conta e risco particulares. A santa deixava o nicho de sua sala especial que tínhamos em casa, alçava-se ao andor de madeira, até que leve, enfeitado de papel crepom, todo em rosa, azul e branco. O cortejo avançava até o final de nosso quarteirão e voltava pela outra rua, mais afastada e sem calçamento, em suas feições interioranas. Prosseguíamos, nesse compasso, parando o quase nenhum trânsito que porventura houvesse.
Era assim todo ano, por juras e empenhos, até que eu completasse treze aniversários. Por que não doze? Melhor se fossem os onze! — e desde antes se desse por encerrada a última peregrinação. Nos primeiros anos, eu mal sabia desses tratos de minha mãe com a divina. E ainda menos que tais ofícios eram por minha irrestrita causa. No começo, eu ia bem que entonado de vestido azul de seda, no colo materno, as asas brancas pendendo de minhas costas, num treino de voo futuro.
Ora, mas... é que fui crescendo. Primeiro, apeado do colo, fui promovido a anjo pedestre. Acompanhava o séquito, a cada ano mais encabulado, e daí, a mais por menos, já em gritante estado de vergonha. Um anjo quase rebelde à frente do andor. A santa até me assemelhava um quanto tristinha por minha causa.
Desde que me achei em tenência dessa parte, já de ensaios e quereres de minha mãe, aprendi os benditos que se cantavam. Ela, me olhando firme, me recomendava por ordem da santa. Eu os entoava, junto com o vozerio das mulheres, de bom grado, desde logo em decrescente, indo em andante com as asas pendentes, doido para me voar dali para onde fosse.
Eu benditoava num esforço de nem abrir a boca, desejando que o périplo se encurtasse de um zás!, por um milagre. Pois se eu sentia os risos de mofa da meninada, ao lado, acompanhando ao largo a promissória que minha mãe resgatava!? Daí eram uns tempos de zombaria que me encaravam: diziam que a saia de anjo me caía bem, balançavam as mãos juntas para me arremedar as asas. E eram umas asas de papelão coberto de papel crepom repicado a tesoura, com as pontas arrebitadas a modo de penas angelicais. Essa tamanha pena, eu podia?
Quê! Dessa vez bem que pedi substituto: “Mãe, já tou grande pra isso!” Ela fez foi ralhar comigo, em quase que ofendida, benzendo-se diante da santa, contra a minha apostasia. Não! Havia de ser eu, sim, oh ingrato! Era a ultimíssima vez! Não fosse a promessa, eu nem tinha vindo ao mundo para ser o único filho de uma já viúva.
Explico-lhes, de breve para colcheia, em segunda voz, pelas notas e pausas por ela mesma postas nesta partitura. Depois de duas perdas, ela teve a má sorte de se ver viúva quando tentava levar a êxito a terceira vez. E eu era o principal interessado. O meu pai, que nunca o vi em vida, este falecera num acidente pouco explicado. Isso já nem nos toca ao caso agora. Para encurtar caminhos e entrelinhas: minha mãe, já de vez sozinha, tinha na gravidez de risco a única esperança de tirar um fruto de uma vida até então em nada de alegrias. Dava-lhe medo que mais esse fruto pecasse.
Dona Dalva, o filho perigando em dificíl gestação, prostrou-se aos pés da santa, em prantos correntes, ofertando-o por afilhado, em proteção de sua esperança. Assim, o ajuste, de ambas as partes, e Deus por testemunha e juiz. Nascesse eu com vida, completasse um ano de choros e fraldas, iríamos nós nessa romaria de ano a ano, por treze vezes se resumindo. Esse era o trato, ad diem.
É óbvio que, criar, me criei! Mas aquelas andanças de anjo sobre a terra, naquelas tardes e noites de maio, mês de Maria, tais e quais, eu me lembro delas, nessa comichão de lhes contar o invento de quantos pontos. Sigam-me nesse passo, veremos de onde a procissão retorna.
Negociei que ela me arrumasse companhia, eu já pelos treze anos, mais dado aos babas de futebol de rua, às caças aos passarinhos e aos castigos escolares, me sentia nas reticências do ridículo, transvestido de anjo, logo eu! E um quê de anjo, como mamãe o concebia, eu tinha mesmo o nenhum! Eu me descriancei desde muito cedo, nas aprendizagens, nos papos furtivos com os meninos maiores e nos brinquedos com as meninas vizinhas. A gente ia sabendo, de outiva, de sutis observações, ensinos e práticas, como as diferenças se combinavam. Tudo em brincadeiras sãs, embora nunca menos escondidas que vigiadas pelos zelosos adultos equidistantes.
Nos entretantos dessa última prestação, era preciso prover motivos de eu não entornar o andor. Então minha mãe me arrumou um anjo de companhia — e eu até cogito que esse anjo se ofereceu para a empreitada comigo. Uma menina das mais levadas, tão mais que linda!, muito sabida em nossas primeiras desinocências. Um trisco menos nova que eu, minha alegria escondida de todos, invasora consentida de meus intentos de adolescer.
Ao lado dessa ângela de madeixas, esqueci das mofas — que, se antes me feriam amiúde, agora evaporavam pelo caminho. Os moleques declinavam de mim e se conjugavam nela, cobiçosos sem o saberem. Eu azul, ela rosa: nossas asas até se tocavam nas pontas, nossos olhos sorriam-se a piscar, inventando brincadeiras. Era uma ângela mais que a santa! — Oh, amada, por onde andas agora, há quanto tempo depois de tudo?
Mas a mãe da menina, de si em si quase desconfiada, ficava de olho em nossas asas, perdendo às vezes o ritmo do bendito, pesponteando-o à frente, no embalo do refrão que se repetia. De vez em vez, ela nos tirava uma mira, tentando adivinhar os ângulos de nossos passos. Ah, que anjos que éramos, os dois numa alegria inexplicável, difícil de se alcançar quando a inocência se desgasta. No enlevo de nem saber o que se passava em nossas veias angelicais, um calor ia-nos tomando, uma vontade louca de nos tocarmos, de nos sentirmos os cheiros, ficarmos por conta de um nada. Estávamos entre o céu e a terra, com olhares lânguidos, de um para o outro.
De mãos postas, em posição devocional, não conseguimos prosseguir. Eu me acerquei de minha ângela e lhe ofereci o calor de minha mão, que suava. Ela tocou-me com um sorriso que me elevou às nuvens, meu coração perdeu o compasso do canto e o ritmo do caminhar, como um tambor desafinado. Continuamos, agora de mãos dadas, sob o olhar impassível da santa em seu andor, que se arrojava à nossa retaguarda.
Minha mãe, se notou alguma coisa, fingiu que não. Até desistiu de ficar me admirando com olhos devedores à santa (uf!). Ela descansasse, que estava tudo pago, e com sobras, isso estava. E eu não morria mais, jurava em mim que não.
Era esse crescendo e caminhando, todo ano no mesmo cair da tarde. Promessa é dívida. A gente se saldava no trato. Eu, no entanto, tinha agora um maior regozijo que valia por todas as peregrinações passadas. Eu queria que o caminho se multiplicasse e que ninguém nos aparasse as asas, nos deixassem flutuar azul e rosa nos sorrisos em que nos doávamos.
Eis que chegávamos ao fim da caminhada. Quando o cortejo se aproximava de casa, escapamos de vez daquela devoção. E nos completamos num abracíssimo demais das medidas. Um verão enorme nos vinha à pele e nos deixava suados, revelando-nos as mais íntimas fontes. E isso era justo enquanto todos se preocupavam em disputar as portas, buscando acomodação diante do nicho da santa, para a celebração da ladainha final.
Havia o lugar certo para os anjos. Mas ali não chegamos. Numa combinação de olhares, dirigimo-nos para o quintal, ao fundo da casa, acolhidos pela moita de quarana.
Anjos, os nossos olhos se entendiam. Decifrávamos segredos a sete chaves ocultos, em busca de aprendermos o prazer de voar. Os nossos lábios se ensinavam, com o ardor que o coração palpitava. Nossas mãos consagravam os corpos tenros, que se buscavam num voo cada vez mais alto. Assim, descobríamos que os anjos também se amam, em carne e alma, sem precisar de palavras.

domingo, 9 de maio de 2010

HOMENAGEM ÀS MÃES: Aleilton Fonseca


MÃE

A casa em que me edificaste

resiste forte e firme guarida:

me livra das armas do tempo,

me guarda dos ruídos da vida.

A palavra que um dia disseste

é sempre nova, não tem idade:

me revela o sentido do mundo,

e me mostra a voz da verdade.


MÃE ÁGUA

Pingos de oceano

um copo de água

a sede e o engano

a seca e a mágoa.

Braços de um rio

um ninho de água

a vida por um fio

e o risco na alma.

A porta do abrigo

o mundo na palma

conjuga o perigo

revive a mãe água.


VERDE VERDADE

Ver de verde a mãe verde

monturos matos imaturos

seres sem ser sem idade:

a cidade se dá de muros

corre sofre morre comove

de ver de verde a verdade.


MÃE AMOR

Mãe luz mãe poesia

Mãe sol mãe outono

Mãe noite mãe dia

Mãe seio mãe sono

Mãe cama mãe colo

Mãe planta mãe flor

Mãe terra mãe solo

Mãe vida mãe amor



quarta-feira, 5 de maio de 2010

“O Pêndulo de Euclides”: uma lírica voz do sertão.




Resenha

Uma prosa lírica com cheiro e sabor de sertão é a definição certa para o romance O Pêndulo de Euclides do ficcionista, poeta, ensaísta e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS – Aleilton Fonseca, que já publicou poesia e os livros de contos Jaú dos bois e outros contos, O desterro dos mortos e O canto de Alvorada. Além de se destacar como ensaísta, com publicações em revistas, jornais e diversas coletâneas.

A nova obra do escritor, que homenageia o centenário de morte do escritor Euclides da Cunha, segue o caminho de seu antecessor Nhô Guimarães: romance-homenagem a Guimarães Rosa e se mostra como um texto de leveza singular e de intensa relação com o espaço sertanejo.

A narrativa inicia quando o narrador principal da história, um professor, intrigado com uma palestra que ouvira a respeito de Canudos, se questiona: será que Canudos é um tema esgotado? Para tirar a prova dessa questão ele parte em viagem para a cidade de Canudos acompanhado de dois amigos o poeta Alex e o francês Dominique, professor de língua portuguesa nos arredores de Paris e “admirador da nossa cultura” (p. 17). Para contar a aventura dos três amigos, apaixonados pela história de Belo Monte, o livro é dividido em oito partes com diversos capítulos que tecem um caloroso debate sobre o texto e as posições tomadas pelo escritor Euclides da Cunha a respeito da Guerra de Canudos em seu livro Os Sertões.

A viagem pelas veredas do sertão euclidiano é encadeada por uma prosa lírica que une argumentações concisas e bem elaboradas com diálogos intensos em ensaística. Em meio ao colóquio sobre as memórias de Belo Monte, as vozes sertanejas aparecem na lembrança dos Fogos da Guerra e na intensa prosa do forte sertanejo Seu Ozébio. Um homem sábio e astuto em retórica que revela grandes segredos durante a narrativa, confirmando que as heranças da batalha estão vivas e ainda pulsam no sangue de todo povo do sertão mundo, pois “o sertão é um modo de ser, de pensar, de sentir e de viver” (p. 207). Outra grande sacada do texto acontece quando o narrador se depara entrevistando Euclides da Cunha. A união dos fatos: os debates entre os três amigos, as reveladoras conversas com seu Ozébio, o delírio insone, a arguta e nostálgica observação do narrador sobre a paisagem árida do sertão faz o romance de Aleilton despertar a voz lírica do espaço que transita entre o poético e o real, pela voz pendular da memória que estabelece a busca da identidade.

Por fim, O Auto do Belo Monte apresenta “sua missão indelével e incomensurável” (p. 186) no julgamento da Guerra e de seus desdobramentos. Nesse momento a narrativa abre espaço para a voz de personagens surpreendentes. Ao final do texto o narrador (re)descobre suas raízes sertanejas e se ouve novamente a voz do sertão a pendular: “O sertão vai virar cidade e a cidade vai virar sertão” (p. 207). A narrativa se fecha em páginas cheias de cantorias e sabores para abrir-se aos olhares de cada leitor e ratificar que as vozes dos sertões estão a cantar na consciência não só da venerada e “vetusta Senhora” (p.186), mas em cada um de nós apreciadores da história e da literatura, no grande palco chamado de vida.

FONSECA, Aleilton. O Pêndulo de Euclides. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2009.

Texto: Gildeone dos Santos Oliveira.

Disponível em: http://gilsantoslinguagens.blogspot.com/2010/04/resenha.html acessado em 05/05/2010