segunda-feira, 23 de maio de 2011

A NECESSIDADE DA LEITURA

 Por: Aleilton Fonseca

A engrenagem do mundo atual absorve as pessoas de forma tão avassaladora, que mal se tem tempo para abrir um livro. De fato, cada vez mais é frequente a frase: “Não tenho tempo de ler”.  Nada mais grave, porque uma pessoa que não lê passa a ver e interpretar o mundo através dos olhos alheios. Sem hábito de leitura, perde-se o contato com um imenso arquivo de saberes acumulados nas grandes obras da literatura universal.
A literatura nos revela as faces visíveis e ocultas da nossa condição, apresenta as misérias e as grandezas humanas, denuncia as mazelas e as injustiças. Assim ela se reveste de uma energia criativa e renovadora que pode acrescentar experiências e saberes como projeção de realidades imaginadas, auxiliando a formação da consciência crítica e da personalidade, antecipando e prevenindo as contingências da vida cotidiana. Através da literatura apreendemos e vivenciamos a gravidade de atos e fatos, antes mesmo de vivenciá-los na dura realidade. Na leitura, convivemos virtualmente com a maledicência, a traição e a impostura através das projeções dos textos ficcionais. Através da poesia aprendemos a perceber a beleza das formas, as imagens e os sentidos das coisas, para além de sua aparência real e objetiva.
Lendo ficção e vivenciando os seus enredos, aprendemos o valor da crítica, da ponderação e do arbítrio, antes de sentirmos na carne os embates da vida que nos ensina a ferro e fogo. A literatura, nas suas virtualidades, dá o exemplo e o espelho em que nos mirarmos e apreendermos o mundo das possibilidades. Ensina-nos a refletir sobre as tragédias e as injustiças, antes mesmo que elas venham a acontecer, para que as vivenciemos e as combatamos no mundo real. A literatura nos conduz a exercitar os sentimentos e as percepções, elevando a nossa mente para uma relação mais significativa com a vida cotidiana. Assim, a leitura adquire grande importância ao promover e estimular o equilíbrio emocional e a reação ponderada e produtiva diante de situações críticas.
A literatura tem um caráter formativo, educativo e civilizador. Sem a vivência da narrativa e da poesia, as potencialidades afetivas podem declinar e o ser humano pode ter diminuído seu grau de civilização, retornando relativamente ao estado de natureza, em que o instinto de conservação repõe a agressividade e a autopreservação como vetores da violência, do egoísmo e do etnocentrismo que passam a presidir as relações entre indivíduos, grupos sociais e nações.
Uma sociedade, por mais rica material e tecnologicamente que seja, estará em decadência e em dissolução se não cultiva as suas potencialidades expressivas, sobretudo através do pensamento, das artes e da literatura — não como simples espetáculo, mas como vivências formativas da personalidade diante da vida pessoal e coletiva.
No entanto, cada vez mais a literatura perde espaço, atenção e importância nos dias atuais. Mas, com isso, o mundo não se torna melhor. Ele nos parece caótico, consumista, violento, egoísta – uma sociedade absorta nas roletas da produtividade tecnológica, nos slogans do mercado, nos interesses de grandes corporações econômicas. Trata-se de uma sociedade que abdica de valores e práticas humanistas para cultuar, sobretudo, as voláteis cifras das bolsas e os dividendos da exploração pecuniária, promovendo a devastação da natureza e a exploração do trabalho e da inteligência. E, apesar de tanto produzir, encontra-se em franca crise material, em que a fome e a indigência se multiplicam pelo planeta. Trata-se de mundo desigual onde os povos abastados naufragam em crises e enfermidades físicas e psíquicas, tão ou mais infelizes quanto os famintos e deserdados dos países pobres e desamparados. Este é um mundo que negligencia os valores do cultivo da arte e da literatura como alimento diário de sua condição de humanidade.
A grande maioria de homens e mulheres não tem condições, não tem tempo, não tem motivação para se alimentar com o pão secular da arte e da literatura. As pessoas correm o risco de se tornarem seres maquinizados na estrutura produtiva, movendo-se de um canto para outro, sem outra aspiração senão angariar recursos para pagar suas eternas dívidas de consumo e de manutenção, para satisfazer necessidades inventadas pelo consumismo de objetos e serviços não essenciais à saúde do corpo e da mente. Para enfrentar esse culto à dissolução, precisamos recuperar o tempo de leitura, o convívio saudável com a poesia, a narrativa, as artes, reativando o exercício proveitoso da imaginação.
A literatura representa os sopros, os avisos, os planos, as intuições, os ensinos do nosso inconsciente coletivo, em busca desse horizonte utópico. É a humanidade que fala e dialoga em cada ritual de escrita e leitura que se instala no ciclo literário, envolvendo o autor, a língua viva e o leitor. Sempre que um texto flui de seu autor e atinge o leitor, estabelece-se a comunicação primordial entre os seres e o universo. O escritor é, antes de mais nada, um mensageiro. Ele empresta sua imaginação e sua voz à fala do gênero humano, cuja voz permanece na memória e na vida de cada leitor que o lê e o revive a cada leitura, dias, meses, anos, séculos, milênios mais tarde.
Atualmente, grandes massas humanas encontram-se marginalizadas e afastadas dos bens artísticos.  Muitas pessoas são cada vez mais faltas da experiência e da formação que as lições da arte e da literatura lhes dariam, integralizando na sua ação e reação diante da vida e dos semelhantes o respeito, a justiça, a honestidade, a tolerância, a fraternidade como bens superiores da vida. Quem não lê, não exerce plenamente sua condição humana. E a leitura faz muita falta. 

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Imagem: O pensador, de Rodin 

terça-feira, 10 de maio de 2011

A poesia e a cidade, Aleilton Fonseca


O surgimento da literatura moderna é intrínseco às movimentações das grandes cidades que cresciam vertiginosamente, em meio ao caos e à crise de valores, entre o final do século XIX e o início do século XX. O processo acelerado de urbanização, a adequação do espaço público ao ritmo da vida cotidiana e o intenso fluxo de pessoas constam de seu contínuo vir a ser. A busca de uma nova linguagem literária para expressar essas transformações se constitui num objetivo fundamental dos poetas e ficcionistas para garantir a sobrevivência e a inserção da literatura na nova realidade das metrópoles.

Para o poeta moderno, os diversos matizes das cidades trazem consequências em relação à forma de observar e exprimir a realidade de sua experiência cotidiana. A cidade passa a ser vista como um lugar sempre estranho, em ininterrupta mutação. E na multidão de homens desconhecidos e apressados que se acotovelam na engrenagem, o poeta é também um rosto estranho. O seu canto não encontra eco imediato. Imerso na teia urbana, concretização física da consciência moderna, ele reage como artista e como ser humano através do discurso de sua poesia. Da observação das ruas e avenidas extensas e perigosas, das torres de pedra, cimento e ferro é preciso extrair um sentido poético novo e expressá-lo em linguagem moderna, positiva ou negativamente. Sobre as formas da cidade tentacular, o poeta projeta o seu ideal e vislumbra a silhueta da futura urbe, em que a vida e a poesia possam se reconciliar, em nome da humanidade. Enquanto isso não é possível, a cidade se agita diante de seus olhos e do seu canto, levanta-se como esfinge e repõe o expressivo desafio mítico: decifra-me ou te devoro.

A poesia da modernidade, na abertura de suas trilhas iniciais, evolui em duas direções principais, muitas vezes de maneira ambígua, contraditória, dialética. Geralmente, os poemas traduzem as imagens do desencanto ou do encanto em relação ao progresso, com a recusa ou a incorporação das massas que constituíam a cidade em constante movimentação. Na base desse ponto de vista, está uma atitude de estranhamento, seja de forma encantada, seja de forma desencantada. O desafio que se apresenta é que o mundo mudara e a poesia precisava mudar para torná-lo linguagem, daí a necessidade de se estabelecerem novas formas de correspondências entre os objetos do mundo e sua tradução em imagens poéticas.

Assim, o discurso poético flui diante do estranho mundo que se apresenta ao olhar sensível e que é preciso incorporar a um discurso de aceitação e/ou de recusa. O encanto e o desencanto em relação ao progresso material da sociedade humana atualizam-se na técnica, na linguagem e na focalização, como formas de recusa e/ou incorporação seletiva dos seus temas e valores. O grande ator desse espaço são as massas, no seio da qual o poeta circula como simples mortal, observador e participante atento. Diante da massa fourmillante (formigante) que avança em todas as direções, demolindo ruas e edificações antigas que lhe impeçam o caminho e, em seu lugar, abrindo avenidas e construindo edifícios, submetendo os trajetos dos passantes à lógica dos veículos a motor, o poeta precisa tomar posição, diante de um mundo que é preciso incorporar ou recusar como objeto válido para a consideração da poesia.

O angloamericano T. S. Eliot é o poeta que assume uma atitude de distanciamento, abandona o presente e volta-se para as fontes das tradições do passado, recusando as massas que ele considera multidões urbanas irredimidas, como exemplo de degenerescência e esterilidade. O pessimismo de T.S. Eliot está presente de forma enfática nos poemas “The waste land” (1922) e “The hollow men” (1925), em que o mundo na era da modernidade é visto como uma espécie de “terra arrasada”, habitada por “homens ocos.” O poeta brasileiro Augusto dos Anjos já havia plasmado, a seu modo, a imagem da decadência humana na metrópole, no longo poema “Os doentes” (1912). Já Fernando Pessoa mantém com a cidade moderna uma relação de amor e ódio, traduzindo as múltiplas possibilidades de vivenciá-la através de um coro de vozes líricas que constituem os seus diferentes heterônimos. O russo Vladímir Maiakovski entrega-se a ação revolucionária e compõe a nova poesia inserida no processo de construção da sociedade socialista. De outro modo, o norte-americano Hart Crane também mergulha no presente da cidade com entusiasmo, em seu livro White Buildings, de 1926. Paradoxalmente, ambos os poetas cometem suicídio, renegando as possibilidades de uma existência satisfatória no mundo moderno, tanto nos termos do socialismo russo, no caso de Maiakovski, como no cenário do capitalismo norte-americano, no caso de Hart Crane.

Evidentemente, as duas posições fundamentais assumidas pelos poetas, de aceitação e de recusa, não são estanques no discurso poético moderno. Na verdade as perspectivas de abordagem são dinâmicas, pois a poesia move-se dialeticamente em situações nas quais freqüentemente se contrapõem visões positivas de determinados aspectos e negativas de outros. O poeta estende sobre a vida da cidade moderna um olhar dialético capaz de transubstanciar em seu texto os feixes de contradições que regem sua lógica cotidiana e as relações entre os indivíduos. Dessa maneira, a poesia da cidade muitas vezes exibe um estado de permanente tensão ao tematizar os valores urbanos e seus diferentes aspectos. Os discursos poéticos geralmente transitam entre os dois extremos, de forma dinâmica, pendendo dialeticamente entre a aceitação e a recusa dos valores modernos. Portanto, momentos de crença e de descrença nesses valores se alternam, pessimismo, ironia e entusiasmo dividem espaços ou se chocam nos diversos textos que exprimem a cidade em processo. Diante desses procedimentos, observa-se que o poeta moderno aproxima-se e distancia-se metaforicamente da cidade, num movimento de constante recusa e retorno, em tom irônico e afetivo. O poeta está consciente de seu irrecusável estatuto de artista da vida urbana, embora sentindo um mal-estar sem cura. Angústia e esperança, utopia e realidade, constituem forças motivadoras que ele maneja nesse espaço possível da sua experiência de vida e de sua sobrevivência como indivíduo e como artista.

Desse modo, o discurso da poesia incorpora as relações contraditórias e problemáticas do poeta no mundo, fixando imagens que traduzem a negação/ afirmação dos valores e das circunstâncias de vida que a cidade oferece, ao lado das indagações acerca do próprio fazer poético diante dos desafios da estética da modernidade. Estes elementos consubstanciam o ponto de vista do poeta, a partir do qual se desenvolvem as posições de aceitação, recusa, questionamento, problematização, análise e reflexão, em discursos marcados pelo jogo de tensões e contradições inerentes ao universo poético da cidade moderna. O poeta não integra o epicentro da transformação material do mundo, uma engrenagem que o dispensa. Sua posição é de deslocamento, a partir da qual constrói um discurso crítico de recusa e resistência, como observador e experienciador da vida que a modernidade lhe impõe.

Estas questões também se relacionam com a poesia moderna brasileira. A vida literária brasileira não ficou infensa à grande movimentação das vanguardas europeias, no momento em que se plasmava a nova poética das metrópoles. Ao lado disso, também as principais cidades passavam por um acelerado processo de urbanização, na esteira das transformações urbanas experimentadas pelas metrópoles europeias. Com o atraso de algumas décadas, mas igualmente vivenciando experiências semelhantes no urbanismo, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro se constituíam também como palco de observação e de vivências para os artistas. A renovação literária se dá no mesmo contexto das reformas urbanas, ao lado da expansão da indústria, do comércio e dos transportes, no bojo do processo geral de modernização do país.

O primeiro poeta brasileiro a mergulhar na experiência poética de cantar a cidade moderna de maneira sistemática foi Mário de Andrade. Atento às experimentações das vanguardas e impressionado com as cidades tentaculares do poeta belga Émile Verhaeren, o poeta paulista concebe um projeto de traduzir São Paulo em imagens de uma escrita poética, o que faz no seu livro de estreia, Pauliceia desvairada (1922) e no seu último livro Lira Paulistana (1945). Em todos os seus livros encontram-se poemas que tematizam a cidade de São Paulo, que já assumia a posição de principal metrópole brasileira. Em vários poemas seus, preponderam observações líricas sobre a vida urbana, suas circunstâncias e vicissitudes cotidianas, transfiguradas pelo ponto de vista crítico do poeta atento às questões da modernidade. Observa-se a preocupação constante com temas da vida urbana, em seus aspectos intrínsecos à existência do homem no intrincado labirinto da cidade que se vai transformando e impondo rápidas mudanças na forma como os indivíduos participam do processo. Dessa forma, a poesia brasileira, através de um dos seus autores mais representativos, também produz a sua contribuição para a lírica da cidade moderna, inserindo-se de maneira expressiva na tradição da poesia urbana ocidental.


Disponível em:Caramure

HOMENAGEM ÀS MÃES


Fotografia: Cristiane Oliveira






A poesia e a maternidade são temas que se interagem completamente porque se harmonizam. Ambos estão ligados à necessidade intrínseca do ser humano de criar, gerar, transformar… A poesia cuida de nossa alma e a mãe de nossa vida. Ambos os valores são importantes para o desenvolvimento da humanidade. Por isso, no tempo do consumo, do descartável, do pragmatismo individualista, nos escondemos de nós mesmos, deformando o perfil do humano, negando qualquer ligação nossa com a possibilidade de mudanças. Assim estou me referindo a um otimismo transformador que foi e é o responsável pelas grandes realizações no mundo. Poesia e maternidade estão diretamente ligados a este conceito. Não existe mãe que não acredite no melhor para seu filho, nem poeta que não veja a sua poesia como agente transformador.



Diante desta realidade e confirmando a contradição do mundo atual é que reunimos uma fotógrafa e cinco poetas baianos em um shoping center de Salvador para uma exposição de poemas cartazes. Confesso hoje que em alguns momentos desta produção tivemos receio de não dar certo, afinal estava usando como espaço o grande símbolo do consumo moderno. Mas a surpresa foi maravilhosa, o que prova que, por mais contraditório que sejamos, apesar de consumistas não perdemos a essência da nossa humanidade.



Assim, em uma noite de abril de 2009 estavam reunidos: os poetas Aleilton Fonseca, Cleise Mendes, Damário Dacruz, Mabel Velloso, Washington Queiróz e a fotografa Cristiane Oliveira na praça central de um shoping. Todos prontos para aquela aventura Quixotesca de levar poesia para o “consumidor”. Para completar a situação, um grande temporal caiu em Salvador, o que poderia atrapalhar a festa. Mas não! A participação das pessoas que estavam no local junto com alguns convidados, que enfrentaram um verdadeiro “dilúvio” para prestigiar o evento, foi impressionante. Foram mais de duas horas de autógrafos e depoimentos emocionados dos presentes. Assim se fez o Palavra Mãe que agora o Caramurê reapresenta em uma versão digital.



Fernando Oberlaender

Disponível também em: Caramure

Este post foi pulicado com atraso por causa de problemas técnicos. peço desculpas aos leitores. (Paula Laranjeira)