A Pauliceia de Mário de Andrade, vista de um bonde poético.
Por: Renato Pompeu
Foi
preciso significativamente um baiano, o poeta, ficcionista, ensaísta e
professor universitário Aleilton Fonseca, para produzir um dos livros
que mais consagram a paulistanidade, elevando-a a categoria cultural
universal, lembrando o dito do grande escritor russo Lev Tolstoi, “Canta
a tua aldeia e serás universal”. Trata-se de O Arlequim da Pauliceia –
Imagens de São Paulo na Poesia de Mário de Andrade, obra lançada pela
Geração Editorial e pela UEFS Editora.
Sedução é fascínio, é isso que sentimos por isso que se apresenta como
uma viagem de bonde pela São Paulo da primeira metade do século XX, numa
trama em que Fonseca reuniu todos os seus talentos – a poesia, a
ficção, a ensaística e a pesquisa erudita – para narrar uma expedição
pelos lugares ícones da cidade, entremeada de trechos de poemas do
grande escritor e poeta que se considerava mais paulistano do que
paulista ou brasileiro, e por fotos da época, referentes aos lugares que
Fonseca descreve e Mário de Andrade canta.
Navegamos por uma cidade de sonhos, no tempo em que São Paulo era uma
cidade cheia da arte de viver, com ruas e vales repletos de prédios
encantadoramente europeus dos fins do século XIX, um ambiente
neoclássico vagamente ítalo-francês, povoado também por exuberâncias
verdejantes de árvores, arbustos e relvados plenamente tropicais que se
combinavam belamente com os tons predominantemente ocres e pratas do
Teatro Municipal e da Catedral Metropolitana.
Tudo
isso vagamente embaçado pela autêntica garoa – a umidade então
permanentemente emanada da Mata Atlântica que, por sobre a Serra do Mar,
flanqueava a cidade. Hoje pouco resta da Mata Atlântica nos arredores
da cidade e praticamente nada resta da verdadeira garoa, nome hoje
reservado ao que antigamente se chamava de chuvisco, como se a cidade
precisasse se apegar a um passado que não existe mais, a não ser na
imaginação e no coração.
Naquela época, as avenidas de fundo de vale eram realmente dignas de seu
nome: fitas de prata, como na foto que ilustra o Ponto de Partida da
viagem fantástica de bonde, entre morros de floresta virgem. Sobreposto à
imagem de uma moderna avenida povoada por velozes carros e possantes
caminhões, as ilhas que a dividem ao meio encantadoramente ornamentadas
de árvores enfileiradas, enquanto sobre ela se debruçam massas da Mata
Atlântica, o texto do Arlequim da Pauliceia proclama: “Meu pensamento é
tal e qual São Paulo, é histórico e completo. É presente e passado e
dele nasce meu ser verdadeiro”.
Nessas duas páginas de um livro de 300 páginas, estão concentradas, como
se observássemos pela lâmina de um microscópio eletrônico a
constituição de um inteiro ser vivo, todas as virtudes e belezas do
livro de Fonseca. A obra é de uma complexidade ímpar.
Trata-se de uma composição composta de composições que se referem umas
às outras. Cada texto de Fonseca é refletido em cada imagem, que por sua
vez é refletida em cada trecho de Mário de Andrade, o qual por sua vez é
refletido no texto de Fonseca.
A complexidade das referências que se entrecruzam, seja sobre o
modernismo sublimado do Prédio Martinelli, seja sobre o urbanismo algo
barroco do verdejante Vale do Anhangabaú da época, é digna não só da
imagem caleidoscópica do traje recortado em losangos multicoloridos do
secular Arlequim, como também do traço mais particular do melhor
modernismo, em que, como no romance Ulisses do irlandês James Joyce, ou
na cidade de São Paulo tanto da época como na de hoje, não só o todo é
maior do que as partes, como igualmente cada parte é, literalmente,
maior do que o todo.
E assim chegamos à essência do livro de Fonseca: como reunião de uma
totalidade composta de fragmentos, em que cada pequena parte brilha como
um universo próprio, como universo que reúne múltiplos universos
autorreferentes, tanto textuais como visuais e poéticos, o livro acaba
sendo um arlequinesco poema mais do que modernista.
Disponível em:Diário do comércio
Memória Paulistana
Livro presta homenagem aos 120 anos de Mário de Andrade
Obra estuda a influência da cidade na produção do criador de grandes obras da literatura nacional
Disponível em:Veja-SP
Passeando em Sampa com Mário de Andrade
Um
olhar apaixonado sobre uma obra apaixonada. O resultado são estas
milhares de linhas/trilhos que conduzem o leitor aos bondes da São Paulo
da garoa, aos lampiões a gás, levando-o a acompanhar sensorialmente a
construção do Teatro Municipal, da Catedral da Sé, do Edifício
Martinelli, ao lado de transeuntes de terno, gravata e chapéu no centro
velho da cidade; mulheres à la française, à sombra dos primeiros
arranha-céus, ouvindo os ruídos dos primeiros automóveis importados e o
gemido cada vez mais rumoroso de uma Pauliceia que engatava marchas em
direção a uma loucura que se desenhava e se redesenha até hoje. O que
diria Mario de Andrade se visse a São Paulo atual do alto do Pico do
Jaraguá, onde pedira, em testamento poético, que os seus olhos fossem
sepultados?
Aleilton
Fonseca disseca a obra e a alma do famoso escritor, acrescentando
pontos de vistas surpreendentes. Se você nunca leu Mário de Andrade
ficará com vontade de ler. E se já leu fará uma nova leitura, uma
redescoberta. De maneira elegante, Aleilton se coloca em segundo plano
para elevar Mário de Andrade à altura que ele merece. Os dois se merecem
e se incorporam na busca de compartilhar o
sentimento e a poesia com seus semelhantes. Mário, frisa o autor,
“procurava incorporar-se ao coletivo, como forma de destruir em si o
egoísmo das distinções particulares, despojando-se dos valores que o
tornam um indivíduo só e solitário”.
Aleilton
nos oferece uma prosa poética, juntando fotos antigas da cidade a
excertos da obra do modernista. Uma das fotografias mostra passageiros
sentados de costas num bonde, talvez o mesmo em que Mário um dia se
sentira sozinho ao escrever: “O bonde está cheio/De novo porém/Não sou mais ninguém”. Ao
exprimir a cidade em versos, o poeta modernista procurou “domá-la,
pô-la nas rédeas da linguagem, de novo humanizá-la, tornando-a
inteligível, transparente ao sentimento humano”, acentua o autor,
acrescentando que as críticas e os elogios do poeta a São Paulo são puros atos de amor.
Pegue o bonde, então, caro leitor, e vai conversando com Aleilton
Fonseca e Mário de Andrade. Não se assuste se você vir passar um veloz
Metrô ao largo. Compare as duas metrópoles, mas volte para o presente.
Pode doer. Volte devagarinho.
Jaime Pereira da Silva (Jornalista)
Disponível em:Academia de Letras de Itabuna
Poemas para comemorar o aniversário de SP
Por Edison veiga
Um passeio pela São Paulo das primeiras décadas do século 20. O recém-lançado livro O Arlequim da Pauliceia,
de Aleilton Fonseca (Geração Editorial, 296 páginas, R$ 29,90), mostra o
amor que nutria pela capital paulista o poeta, romancista, musicólogo,
historiador, crítico de arte e fotógrafo Mário de Andrade (1893-1945) –
este multifacetado modernista, um dos mais conhecidos participantes da
Semana de Arte Moderna de 1922.
O livro proporciona ao leitor um verdadeiro passeio com o modernista Mário de Andrade – de bonde, sob a garoa ou nas noites frouxamente iluminadas por lampiões. Entre poemas e relatos, é possível acompanhar a construção de marcos paulistanos, como o Teatro Municipal, a Catedral da Sé e o Edifício Martinelli. Costumes, hábitos e estilos da época também são destacados – tanto nos homens de terno, gravata e chapéu quanto nas mulheres vestidas como elegantes francesas.
A atmosfera é completada com as descrições dos primeiros automóveis importados e o deslumbramento diante dos grandes prédios que começavam a tomar conta da paisagem do centro da cidade.
Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, coluna ‘Paulistices’, dia 21 de janeiro de 2013.
O livro proporciona ao leitor um verdadeiro passeio com o modernista Mário de Andrade – de bonde, sob a garoa ou nas noites frouxamente iluminadas por lampiões. Entre poemas e relatos, é possível acompanhar a construção de marcos paulistanos, como o Teatro Municipal, a Catedral da Sé e o Edifício Martinelli. Costumes, hábitos e estilos da época também são destacados – tanto nos homens de terno, gravata e chapéu quanto nas mulheres vestidas como elegantes francesas.
A atmosfera é completada com as descrições dos primeiros automóveis importados e o deslumbramento diante dos grandes prédios que começavam a tomar conta da paisagem do centro da cidade.
Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, coluna ‘Paulistices’, dia 21 de janeiro de 2013.