domingo, 30 de agosto de 2009

Encontros Literários na ALB



Venha participar do Encontros Literários na ALB!!!

Tenha tardes agradáveis de bate-papo com escritores, com leituras e discussão de textos.

Academia de Letras da Bahia, aproximação de leitores com autores baianos!

Local: ALB
Av. Joana Angélica, 198 - Nazaré
Tel.:71-3321-4308

Programação

04/09/2009 às 17 h

02/10/2009 às 17 h

06/11/2009 às 17 h

04/12/2009 às 17 h

Seminário trajetória criativa: 50 anos de Aleilton Fonseca



Seminário trajetória criativa: 50 anos de Aleilton Fonseca


Local: Instituto de letras da UFBA
Data: 10 de setembro de 2009
Horário: 13 a 17 h

Professor Aleilton Fonseca da Uefs recebe homenagem na Ufba


O escritor e professor da Uefs (Universidade Estadual de Feira de Santana), Aleilton Fonseca, será homenageado nesta quinta-feira,10 de setembro, pela Ufba (Universidade Federal da Bahia), com a realização do seminário "Trajetória Criativa: 50 anos de Aleilton Fonseca". O evento será realizado no Instituto de Letras da Ufba, no Labimagem, das 13 às 17 horas.

A atividade faz parte do projeto de pesquisa "Migrações: o Escritor e Seus Múltiplos", do qual Fonseca é um dos escritores estudados. Os professores Adeítalo Pinho (Uefs), Benedito Veiga (Uefs) e Carlos Ribeiro (ALB/ UFRB) vão falar sobre aspectos da produção literária do autor, sua poesia, seu conto e seus romances. Outros depoimentos serão dados por Rosana Patrício (Uefs), Antônia Herrera (Ufba) e Edinilson Mota (Irdeb).

Disponível em: http://www.universia.com.br/noticia/materia_dentrodocampus.jsp?not=50166

sábado, 29 de agosto de 2009

Quem puder, compareça!




Nhô Guimarães


Teatro SESI RIO VERMELHO

DE 08 de agosto a 27 de setembro

Em Salvador


Divulguem ... e não deixem de comparecer!


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Euclides e Canudos por Aleilton Fonseca

Entrevista retirada do PROSA E VERSO ON LINE - Jornal O Globo, do Rio de Janeiro

ENTREVISTA COM ALEILTON FONSECA

Por: Mànya Millen 17/08/09

O baiano Aleilton Fonseca, de 50 anos, já havia transformado um grande nome das letras brasileiras em personagem de romance com "Nhô Guimarães", em 2006. Depois de Guimarães Rosa, chegou a vez de Euclides da Cunha, homenageado com "O pêndulo de Euclides" (Bertrand Brasil) em seu centenário de morte. Ao construir um romance em torno de um escritor e uma obra ("Os Sertões) tão monumentais, o professor de literatura na Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, e autor de mais de dez livros, sabe que corre riscos, como contou nesta entrevista ao blog. Porém, lembra que "o discurso romanesco registra certos fatos reais, mas os submete ao interesse da ficção". Aleilton estará participando nesta segunda-feira, às 19h30m, do projeto Prosa nas Livrarias na Travessa do Shopping Leblon, onde conversará com o público sobre sua obra, ao lado do professor Leopoldo M. Bernucci e da pesquisadora Nísia Trindade Lima.

Você já tem um outro romance-homenagem, “Nhô Guimarães”, inspirado em Guimarães Rosa. Fale um pouco sobre a primeira experiência e sobre a opção por esse tipo de narrativa.

Em 1979, aos 19 anos, cursando Letras na UFBA, em Salvador, conheci, li e comentei alguns contos de Guimarães Rosa e me impressionei muito com as histórias. Por ser de origem rural, eu me identificava com a linguagem, os enredos, as situações, as personagens e o imaginário presentes em suas narrativas. Mais tarde, como professor, passei a ser leitor e divulgador de sua ficção junto aos meus alunos. Como escritor, no ano 2000 tive a ideia de escrever uma história em que uma personagem sertaneja, de 80 anos, narrasse as viagens de Guimarães pelos sertões dos Gerais. Eu sabia que o escritor, nascido na pequena e encantadora cidade mineira de Cordisburgo, ainda muito jovem fora para a capital fazer seus estudos. Ao retornar ao interior, como médico, passou a se interessar pela cultura local: a linguagem, as histórias e diversos aspectos do imaginário popular sertanejo. Recolhia tudo e anotava em seus cadernos de campo. Conhecia pessoas que transformava em personagens de seus contos, como Manuelzão, por exemplo. Resolvi escrever uma ficção sobre isso. Assim surgiu o conto "Nhô Guimarães", publicado em 2001, no livro "O desterro dos mortos (Ed. Relume Dumará). Em seguida, expandi a narrativa e a transformei em romance, alargando os horizontes do discurso da narradora. O romance saiu em 2006, pela Ed. Bertrand Brasil. Nele, a narradora sertaneja fala de sua vida, de seu falecido marido, de seu filho, que se foi embora para a cidade grande. E ela fala, sobretudo, das visitas de Rosa à sua casa, quando proseava com o seu marido Manu, ouvindo, contando e inventando histórias. O romance foi adaptado como peça teatral e acaba de estrear no Teatro do Sesi Rio Vermelho, em Salvador, com direção de Edinilson Motta Pará e interpretação de Deusi Magalhães. E Guimarães Rosa fica muito bem como personagem de ficção. Foi uma experiência gratificante e, ao que parece, satisfatória. Optei por esse tipo de narrativa porque ela permite um instigante diálogo textual, em que realidade e imaginação amalgamam-se, dando origem a uma narrativa híbrida. É um desafio difícil e tentador.

Como criar uma voz própria a partir de personagens e obras (“Os Sertões”, no caso de “O pêndulo de Euclides”) tão conhecidos e celebrados? Qual o caminho para escapar da mera repetição de ideias e histórias que estão no original?

Neste tipo de narrativa, o risco da imitação é insidioso, como uma ameaça sempre presente. Resta ler o livro e verificar se o autor conseguiu se sair bem do desafio. O caminho para escapar da mera repetição é utilizar as referências como um ponto de partida e adensar o própria criação, dando bastante fôlego à parte ficcional. No caso de Guimarães, alguns de seus traços biográficos são diluídos e reelaborados na lógica da ficção, uma vez que ele passa a ser uma personagem construída segundo a perspectiva da narradora. Já Euclides da Cunha é uma referência constante do debate central do enredo, quando suas ideias são discutidas pelas personagens letradas e pelo narrador sertanejo. Os narradores transformam-no em personagem de ficção, revelando atos e pensamentos que não estão registrados na história oficial. Assim, a ficção assume uma função suplementar, ao criar situações que extrapolam os registros oficiais e explicitam facetas apenas presumíveis dos escritores em questão.

Para escrever “O pêndulo de Euclides” você disse ter visitado alguns dos lugares pelos quais o escritor passou. Essa “pesquisa de campo” ajuda a fundamentar a obra ou corre-se o risco de tanta realidade embaçar a criatividade, o espaço reservado aos voos da imaginação?

O risco existe, mas deve ser contornado. A solução é estabelecer os limites dos fatos reais e expandir os voos da imaginação. Os dados oficiais constituem marcos de verossimilhança, ajudando a fundamentar a obra. Mas não devem limitá-la, pois seu compromisso não é documental, mas estético. A partir dos dados reais, a ficção deve se desenrolar de forma autônoma, extrapolando as informações já conhecidas, de forma a instigar o leitor e desafiar as versões oficiais. Para concluir o romance "Nhô Guimarães", visitei a cidade de Cordisburgo; fui à casa de Guimarães Rosa. Para concluir "O pêndulo de Euclides", fui a Canudos e visitei detidamente o local onde se travou a guerra, hoje um Parque Estadual aberto à visitação pública. Vi e fotografei alguns lugares, vi objetos da guerra de Canudos e destaquei vários fatos da história. Mas só entraram na trama aqueles dados que convergem para a lógica do enredo, diluindo-se como parte integrante do discurso ficcional. No romance, Euclides torna-se personagem de ficção e age como tal, para além dos seus registros biográficos. Assim, o discurso romanesco registra certos fatos reais, mas os submete ao interesse da ficção, que discute, extrapola e até refuta determinados aspectos das versões oficiais. Nesse caso, a ficção está acima dos fatos.

O romance se apresenta como uma nova reflexão sobre a Guerra de Canudos. Como entra a figura de Euclides nesse contexto?

De fato, o romance retoma algumas questões da guerra que ainda não estão resolvidas. Tal como nas fontes oficiais, Euclides aparece inicialmente como um intelectual integrado à cultura litorânea, a favor da República e defensor da ação militar contra Canudos. Antes de ir para a região do conflito, ele escrevera dois artigos intitulados "A nossa Vendeia", nos quais deixa clara a sua posição, exaltando a marcha do Exército contra o Arraial do Belo Monte, ou Canudos, reduto dos adeptos de Antônio Conselheiro. No entanto, ao chegar ao local da guerra e presenciar os terríveis combates, nos quais as forças republicanas, treinadas e bem armadas, atacam e dizimam uma população de camponeses sertanejos, ele começa a duvidar de suas convicções, passando a ver a guerra como um crime contra um povo destemido que lutava por terra, fé e honra. O romance procura revelar ficcionalmente aquilo que é presumido mas não registrado na história, ou seja, as reflexões que levam Euclides da Cunha a reavaliar o conflito e, assim, mudar de opinião sobre a guerra. Essa mudança resulta de sua experiência e de sua compreensão profunda dos fatos. Assim, a ficção procura, à sua maneira, preencher os vazios da história, dramatizando o processo de tomada de consciência do autor, que resolve escrever o livro "Os sertões" como denúncia do crime cometido contra o povo sertanejo.


Você já tem em mente algum outro romance-homenagem? Qual seria o escritor que você gostaria de transformar em livro, independentemente de datas?

Tenho diversos projetos de livros, entre contos e romances, que vou desenvolvendo aos poucos. Alguns são pura ficção, outros pretendem retomar fatos reais como ambiência para enredos de ficção. Gosto desse tipo de escrita. Isso faz meu estilo. Um dos meus projetos é escrever sobre o poeta francês Charles Baudelaire, que teve uma trajetória pessoal e artística muito intensa e intrigante. A vida dele dá um romance. Enfim, na justa medida, realidade e ficção podem compor uma boa história. O mais importante é que o livro tenha qualidade como narrativa, com equilíbrio entre os dados da realidade e os aportes da imaginação. Narrar é preciso. E o leitor é o juiz.


Disponível em: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2009/08/17/euclides-canudos-por-aleilton-fonseca-214637.asp Acessado em: 18/08/09

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O pêndulo de Euclides



Ideias antecipa trecho do lançamento 'O pêndulo de Euclides'

Jornal do Brasil

RIO - Além de Os sertões – que nasceu de um relato jornalístico – a Guerra de Canudos gerou também algumas obras de ficção, entre elas o caudaloso romance Guerra do fim do mundo, considerado pelo autor Mario Vargas Llosa um dos mais bem realizados que já cometeu. Menos conhecida, mas nem por isso indigna de interesse, é a novela A casca da serpente, de José J, Veiga, publicada em 1989 – e que merece reedição por estar há muito tempo desaparecida das livrarias.

Agora é a vez de o escritor baiano Aleilton Fonseca mergulhar no tema, com o romance O pêndulo de Euclides, que a editora Bertrand Brasil manda para as livrarias na próxima semana.

O Ideias apresenta abaixo, com exclusividade, os dois primeiros capítulos da obra. Trata-se do relato de uma viagem de três amigos (um professor baiano, um poeta carioca e um brasilianista francês) à cidade de Canudos atual para uma visita ao campo da guerra onde existiu o Arraial de Belo Monte, fundado e liderado por Antônio Conselheiro. Durante a viagem, eles debatem temas e razões do conflito, e algumas das ideias de Euclides da Cunha. A foto que ilustra o texto, de Evandro Teixeira, mostra a cidade de Rosário, cenário das batalhas. A igrejinha branca ao fundo foi construída pelo próprio Conselheiro.

Trecho do livro:

A Guerra de Canudos foi o conflito mais trágico e sangrento do Brasil. Era o que mais se repetia nas palestras do seminário, que reunia professores, estudantes e pesquisadores. A universidade parecia estar em festa, com gente se acotovelando nos corredores e auditórios. A última conferência concluía o evento com chave de ouro. Eu, atento, nem sempre estava de acordo com o que ouvia.

O conferencista encerrou suas palavras dizendo em tom de máxima que, mais de 100 anos depois, a guerra era um tema exaurido. Nada de novo havia a dizer ou acrescentar. Tudo estava dito, registrado, lido e analisado.

Ergui o braço para questionar, porém meu gesto não foi atendido. Era a conferência final do seminário e não haveria debates. A plateia já se levantava apressada. Continuei no meu lugar, enquanto as pessoas deixavam o auditório. Lá fora começava o alarido do coquetel de encerramento. Fiquei só e pensativo.

Veio-me à tona uma ideia que desde alguns anos me martelava a cabeça. Há tempos eu planejava ir até a região de Canudos para conhecer o local da guerra. Queria conversar com as pessoas, anotar suas impressões, elaborar um texto. Pretendia recolher resquícios da memória do conflito a partir de depoimentos dos descendentes dos sertanejos.

Meu sonho era escrever um livro. Eu queria fazer um ensaio, uma entrevista, ou mesmo um romance, em que uma voz sertaneja narrasse os eventos da guerra. Seria um narrador canudense que relatasse – de dentro – as quatro batalhas, ou seja, os quatro fogos da guerra, conforme denominava Antônio Conselheiro.

Ao final do evento, saí da universidade pensando seriamente no assunto, a caminho da pousada onde estava hospedado no centro da cidade.

Ao chegar fui direto para o apartamento. Fazia muito calor. Depois de um banho, tomei uma cerveja para refrescar a garganta, saboreando cada gole. Fiquei matutando. Certamente o conferencista quis dizer que a história de Canudos está devidamente assentada nos livros, nos ensaios, nos romances, na poesia, no cordel, nas fotos e nos jornais da época. Um acervo que dá conta dos fatos e de suas consequências históricas e sociais.

Mas tudo isso esgota mesmo a história da guerra? Nada mais há além do silêncio? Nada mais ecoa nos campos calcinados da memória que subjazem nas águas? Só nos resta interpretar as marcas do passado? De certa forma, sim. De alguma maneira, não.

É certo que textos, objetos e documentos falam por si. E as vozes do sertão? O que elas têm a dizer? Lembrei de uma célebre frase do escritor francês André Gide, que nos ensina: “Tudo já está dito; mas, como ninguém escuta, é preciso sempre recomeçar”.

O conferencista fora enfático ao afirmar: “Canudos é um tema exaurido”. Discordei na hora. Não, não é, pensei comigo mesmo. E de novo me animei.

Tudo isso açulou o meu antigo desejo de percorrer o sertão de Antônio Conselheiro. Eu podia visitar o local da guerra e depois escrever o livro. Peguei o mapa da região, anotei as informações gerais na agenda e preparei a mala de viagem. Eu precisava conhecer Canudos.

DESCOBERTA – 2º CAPÍTULO

As imagens de Canudos e de Antônio Conselheiro entraram cedo em minha vida. E não foi através da escola. Nas aulas de história, só os velhos temas. Ensinavam-me a repetir datas e fatos e a admirar as personagens oficiais. Pior: aos oito anos de idade fui obrigado a me perfilar junto com os colegas no pátio da escola, no longínquo dia 31 de março de 1968, para cantar o Hino Nacional em louvor à ditadura militar de então. Obrigada a cumprir ordens, a escola traía com isso a inocência de minha idade.

Nunca me contaram nada sobre Canudos.

Mas eu descobri.

Aos 12 anos ganhei de presente de meus pais uma coleção de dicionários da antiga Editora Globo, em seis volumes de capa grossa e cor azul. Cada um era dedicado a uma área do saber. Passei a ler a esmo os verbetes do Dicionário de História do Brasil, fixando-me naqueles que me pareciam mais interessantes.

Canudos. Esse verbete despertou minha atenção.

Eu ia lendo, e os fatos narrados me fascinavam e excitavam a minha imaginação. Ali eu aprendia a história de Antônio Conselheiro e do Arraial do Belo Monte.

Ademais, a minha avó Laudilina nasceu em Bom Conselho, nas redondezas de Canudos, há cerca de 90 anos. Certamente ela descende de alguma família sertaneja que sobrou viva nos arredores da cidadela arruinada. Eu imaginava um dia investigar o fato, quem sabe desencavar um parente perdido. Como afluente de um Vaza-Barris vermelho, decerto em meu corpo também corre algum sangue conselheirista.

Certa vez perguntei à minha avó o que ela sabia sobre a guerra dos sertanejos. E ela, com paciência e boa vontade, puxou pela memória e tentou me explicar:

– Ah, meu neto... De pequena, eu me lembro que falavam sobre o Conselheiro. Diziam que era um homem santo que havia lutado muito pelo povo do sertão. Mas contavam isso à boca pequena, com medo da polícia. Quem falasse a favor do beato podia até ser preso. As pessoas tinham muita cautela de tocar no assunto. Escondiam e até negavam o parentesco com os infelizes fiéis de Canudos.

– E por que elas faziam isso, vó?

– Ora, porque tinham medo da polícia! Muitas diziam que os soldados iam retornar um dia pra atirar em todos, tocar fogo nas casas e degolar o povo que havia restado no sertão. Com isso, muita gente se amofinava, ficava tudo quieta, acuada, nas brenhas dos lugares ermos. É só dessa cisma que eu me lembro um pouco.

E resumiu, baixando a voz, num tom de compaixão:

– Aquela guerra foi uma grande injustiça.

Depois de ouvir as palavras da avó Laudilina, eu corria de volta ao dicionário. E ficava surpreso e impressionado com os personagens que realmente viveram, lutaram e morreram nos tempos passados.

Ali se narravam fatos que me pareciam semelhantes às antigas histórias que eu tanto ouvira contar na infância. No entanto, eu sabia a diferença: aquele livro trazia eventos reais, vividos e registrados.

Canudos entrava, assim, em meu universo de saberes; e já fazia parte de minha vida.

18:17 - 14/08/2009

Disponível em: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/08/14/e140821317.asp Acessado em: 18/08/09

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O sorriso da estrela

FONSECA, Aleilton. O Sorriso da estrela in: O desterro dos mortos. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2001, p. 23 - 28.


Estava morta a minha irmã, ali entre jasmins e rosas, minha mãe à cabeceira chorava. Era uma noite inquieta, essa do velório em vigília e prantos por Estelinha, de quando em quando se rezavam benditos. O enterro iria seguir no outro dia, no meio da manhã de sol.

Estela estava morta, aos treze anos. E eu sentia dentro de mim esta morte. Era um pouco também eu morto, sem tempo de me redimir e poder amar minha irmã, como — só agora! — eu sabia ser capaz. Ela não morresse, eu iria brincar com ela, nunca mais uma zombaria, nem desprezo, nunquíssimo a chamaria de "sua doida". Pois agora eu começava a compreender sua linguagem, logo agora, desde que ela se fora para o hospital, eu comecei a entender seus diálogos compridos com as pedras, com os tocos de pau, com as folhagens ao vento. O silêncio de sua ausência no quintal se mostrou dentro de mim em tons de uma saudade estranha. Mas ainda ali, eu não suspeitava do que me vinha na alma. Tudo fora a ordem do tempo. Ela nascera primeiro, três anos antes de mim. Agora a diferença encurtava, mas justo quando eu me afogava nesse deserto de lágrimas. Pela primeira vez, eu dialogava com a minha irmã:
— Estela, acorde, vamos conversar com as pedras — sussurrei no seu ouvido, ninguém me escutasse. A madrinha veio me consolar, eu tivesse paciência, fora a vontade de Deus, o melhor para ela, tão doentinha, coitada. Tive raiva de madrinha, no meu mais íntimo sofrimento. Continuei a conversa, até que me puxaram pelo braço, pois minha mãe redobrava-se no pranto.


— Estela, acredite em mim agora. Vamos correr picula.
O corpo dela suava, dormindo sem ressonar. Um pano envolvia seus cabelos castanhos e descia para sustentar seu queixo, — talvez para conter o sorriso? — Minha mãe enxugava o suor da morta com o mesmo lenço em que depositava as próprias lágrimas. O tempo voltasse, meu Deus! Eu só implorava um único milagre. As imagens desfilavam na minha memória, eu a escutava como se fosse agora:


— Vamos brincar, Dindinho.


— Não me chame de Dindinho! Meu nome é Pedro — respondia áspero, sem sequer olhar, e ia saindo.
Eu pensava odiar o fato de ter uma irmã assim. Ela insistia, amorosa, que me dava um constrangimento.
— Não, ninguém sabe, mas é Dindinho, seu nome bonito, eu chamo — dizia, como se eu continuasse presente.

Eu fugia de ter essa irmã. Os meninos me abusavam. Várias vezes briguei por me chamarem de Dindinho, o irmão da doida. Dindinho, eu mesmo não! Minha mãe já ia pegando o costume de me chamar assim, nas vontades de sempre agradar a filha. No contra, eu me rebelei, fugi de casa um dia inteiro. Minha Mãe me deu uma surra, depois, mas nunca mais me chamou daquele nome. Por que ela existia? Eu não me dirigia a Estela. Mudava de rumo, baixava os olhos para não dar com ela. Eu a considerava um estrago na minha vida. Quis muito que morresse. Ela me surpreendia, às vezes, antes que me mostrasse irritado, como quase sempre acontecia:


— Quando você morrer, Dindinho, de que cor você quer suas asas no céu?
Uma coisa tão sem sentido, que eu sequer respondia. Apenas fazia uma careta de enfado, balançava a cabeça negativamente. Ela me cercava os olhos, inventava brincadeiras cada vez mais estranhas para conquistar minha atenção. Isso tudo mais me afastava. Os meninos, meus amigos, considerassem que eu não tinha irmã, pois mencioná-la era já motivo de desavenças. Fiquei de mal com alguns dos melhores, tempos e tempos, por essas causas.


Diante de minha repulsa, Estela intentava uns modos de me sensibilizar, sem o menor sucesso. Um dia, posto que eu a estivesse atentando muito, ela imaginou uma proposta das mais descabidas. No começo da noite, ela, depois de tanto silêncio, me propôs com a maior certeza do mundo:


— Eu lhe dou uma coisa para sempre, aquela estrela grande será só sua a vida toda e depois, Dindinho.


— Ora, quem pode ter uma estrela, "sua doida"? — desdenhei.
— Pois pode, porque é minha e eu lhe dou só pra você, Dindinho. Mas só se você sorrir para mim, todo dia, uma vez... só uma... você quer?


Nunca soube sorrir para você, Estela, me perdoe. Quando eu tomava posse de mim mesmo em mais profundo, quando um sorriso germinava no fundo de minha alma — e seria seu! — você já não estava aqui. Até hoje só me vêm as lágrimas que nunca tive antes, quando você vivia em seu mundo de imagens que só percebi depois. Eu era mesmo um Pedro, o coração tinindo na dureza, você foi me amaciando. Você, aos quase quatro anos, me carregou no colo. Eu era seu neném, como a nossa mãe me contou, depois de tudo, tardiamente. Estela... tudo podia ser tão diferente!
A noite ia avançando, em horas que eu não conhecia, os meus olhos já desistentes. Eu me debruçava sobre a morta, o sono me empurrava para ela, nos movimentos bruscos dos cochilos. Minha mãe me mandou dormir e eu, depois de insistir negativo, enfim saí cabisbaixo da sala, a solidão me completava. Não me dirigi ao meu quarto, mas ao que ficava ao lado. E examinei os ângulos daquele lugar, tudo tão limpo e arrumado numa ordem que eu não conhecia. Ali, enxerguei os contornos deste vazio que até hoje carrego. Fiz meia-volta e caminhei para o meu leito, mas não consegui me acomodar. O sono me apertava os olhos, uma agonia no peito teimava-me pela vigília. Quis retornar à sala, mas nossa mãe me suplicou que não com um olhar terno, tão raro aquele olhar... Eu voltei, mas não para o meu quarto. E me deitei na cama de Estela, deixando na alfazema do travesseiro o sal dos meus olhos.


Eu me vi vivendo o melhor que nossa realidade. Estela me sorria, corria de mim, eu não tinha pressa de apanhá-la, era talvez picula. O nosso quintal se alargava, o caminho de plantas, paus e pedras ia-se margeando em nuvens sem um fim que se avistasse. Eu tinha o saber de tudo, mas não me importava, o sorriso de Estela me preenchia e me fazia leve, que então voávamos. Eu queria alcançar minha irmã, mas não podia lhe pedir que parasse. Estela tinha um vôo firme e certo, e eu, me parece que só voava no seu vácuo. Mas eu a queria, buscava-a para um abraço que faltava em mim, um toque que me transmitisse os seus modos de sorrir. Eu queria conversar com as nuvens e as pedras lá embaixo já me sorriam, as folhas acenavam para mim. Estela ia-se distanciando, eu me surpreendi no cansaço desse vôo, as nuvens perdendo sua leveza. Estela! Estelinha, me dê a mão! Me leve com você! Mas o seu sorriso já me abandonava. Ela se foi fazendo em cor de nuvem, aos poucos me vi sem olhos para tê-la. E era tarde, muito tarde: tive um sobressalto e tudo que agora eu via eram as telhas vãs do nosso quarto.
A manhã se ia acesa como as velas, numa rapidez que doía em nós. Vi que minha mãe não dormira, velara nessa noite toda uma vida ao lado da filha. Era um olhar cansado, dela para mim, com um desencanto mudo, enxergando o nosso vazio. Acerquei-me dela, os seus braços me tatearam. E logo me acariciava os cabelos com a mão direita, com a outra acariciava os cabelos de Estela. Inesquecível aquele gesto de nossa mãe, em toda a nossa vida, por seu corpo passando a nossa última sintonia.
As pessoas iam chegando, a hora do enterro se aproximava. Madrinha apagou os quatro tocos de vela acesos ao redor de Estela. Começaram a distribuir os ramos de flores para o acompanhamento. Eu reparava nos meninos e nas meninas que se acotovelavam para ver a morta. Alguns que sempre zombavam dela. Uns me pareciam tristes, outros apenas viviam uma aventura. Eu me sentia completamente afastado de todos.
Iam fechar o caixão. Minha mãe despejou mais lágrimas e inquiria Deus pela morte da filha. E até madrinha, pela vez primeira, soltou as rédeas do seu pranto. Eu me guardei no silêncio, peguei um ramo de rosas que estava próximo ao rosto de Estela. Não me pareceu que eu pudesse beijar o seu rosto agora, já que nunca o fizera em vida. Então beijei as flores e pus de volta no caixão.
Era hora, o enterro ia seguir. Quando me mandaram olhar minha irmã pela última vez, não chorei, pois me pareceu que ela sorria um sorriso longe só para eu sentir. Então percebi que ela agora se tornava como nuvens. Eu quis seguir com ela, mas não me deixaram. E me levaram Estela de mim.



O cortejo dobrou a primeira curva de nossa rua. Os meus olhos continuaram buscando, até hoje parados naquela curva sem nome. Madrinha varreu a casa, dos fundos para a porta da frente, juntando as folhas e restos de flores e tocos de velas. Deixou o montinho no pé de jambo que Estela chamava de "meu segundo amor". Era onde minha irmã costumava ficar à sombra, enfeitando-se com as flores rubras de jambo. Ali eu derramei as minhas derradeiras lágrimas.
Minha irmã, ainda hoje eu contemplo a tua estrela e tenho uma vontade enorme de que fosse minha. Eu vejo tua imagem se projetando de lá, num sorriso longe que não me deixa desamparado. Era essa luz que você me oferecia, por apenas um sorriso que já era seu sem que eu soubesse. Quantas estrelas no céu — e eu não possuo uma sequer!
O tempo me deu estes cabelos brancos, mas a minha memória guarda os sinais do semblante de Estela, com suas alegrias sem nenhum motivo. Em nosso quintal, as pedras, os tocos de pau, as folhagens ao vento puxam conversa comigo, mas eu continuo mudo. No entanto, agora sinto: eu sou Dindinho.



Disponível em: http://www.tboa.com.br/forum/index.php?showtopic=3841&pid=123908&mode=threaded&start

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Prosa nas livrarias Euclides da Cunha




O baiano Aleilton Fonseca apresentará ao público os bastidores da criação de “O pêndulo de Euclides”, construído em torno da paixão de dois professores e um poeta pela história de “Os Sertões”.

Vamos divulgar o Evento!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Entrevista com ALEILTON FONSECA

ALEILTON FONSECA


POR: Eduardo Cruz Filho


Aleilton Fonseca é autor de obras como: "O Espelho da Consciência", "O canto de alvorada", "Nhô Guimarães", dentre outras. O poeta, ensaísta e professor universitário conversou conosco sobre educação, literatura e Guimarães Rosa.


CL - Quando se trata de ensino de literatura, uma questão sempre surge. Deve-se, ou não fazer uso de adaptações ao abordar os cânones? Qual é a sua opinião? As adaptações podem ajudar a despertar o interesse pelos clássicos?

Os clássicos devem ser preservados em sua integridade textual. A adaptação pode ser feita no momento da abordagem da obra, quando se pode ressaltar determinadas passagens, deixando outras de lado. Com isso, pode-se dar um direcionamento à leitura e à interpretação, de modo a fazer com que o leitor tenha uma maior interação com a obra, apreciando-a naqueles pontos que lhe são mais atraentes e estimulantes. De fato, cteio que nõa se deve mutilar uma obra literária, expurgando passagens, comente para torná-la supostamente "mais fácil". O interesse pelos clássicos deve ser despertado exatamente por aquilo que essas obras representam, tanto como resgistro cultural de uma época, como exemplo de estilo, técnica e linguagem.

CL - Para você (e para mim) “literatura é uma sentença de vida; uma forma eficaz de conhecer profundamente o ser humano”. Como escritor e professor, você acredita que é possível “plantar” o gosto pela leitura numa sociedade tão desequilibrada econômica e culturalmente, sobretudo quando há uma concorrência desigual com a mídia moderna (em especial a televisão) ?

Desenvolver o gosto pela leitura não é e nunca foi fácil. Ler é uma vocação e uma necessidade, portanto é uma habilidade intelectual que deve ser despertada e estimulada constantemente. Os desequilíbrios de nossa sociedade, marcada pela exclusão e por desníveis tão graves, a leitura deve ser ensinada, inclusive, como uma forma de superação de diferenças. devemos aliar o lazer da leitura à formação pela leitura. As mídias modernas são poderosas e ocupam o tempo que seria da leitura. Não tem jeito. É preciso concorrer com as mídias, dando um sentido mais amplo à leitura; ou seja, deve-se estimular a leitura de formação do indivíduo como um cidadão pensante, crítico, capaz de discernir as questões da vida real a partir da leitura de situações ficcionais. A experiência de leitura torna o indivíduo mais capaz de discutir, entender e formular questionamentos em torno da vida, do mundo, da sociedade e de si mesmo. A leitura é indispensável.

CL - Em sua crônica “Presente de grego” há uma questão que sempre surge quando a conversa é sobre literatura: o gosto estético. Num país cujo número de leitores é extremamente baixo (pelo menos é o que dizem as estatísticas divulgadas), ler um best-seller, ainda que de qualidade literária duvidosa, não é um bom começo ?

De fato, pior do que ler best-seller é não ler livro nenhum. O que se espera é que a experiência e a maturidade do leitor levem-no às obras de maior complexidade semântica e estética. No entanto, há diversos níveis de interação com o mundo e, portanto, com as obras disponíveis. Não devemo ser impositivos quanto à leitura dos outros no dia-a-dia. Agora, se somos professores em aula, aí então devemos fazer escolhas significativas para a formação dos alunos. O professor é um interlocutor e, como tal, deve criar meios e promover o diálogo entre a obra e o leitor em formação. É muito difícil alguém começar a carreira d eleitor através de Alencar, Machado de Assis, Guimarães Rosa ou Clarice Lispector. São autores que exigem uma certa bagagem. Os textos mais atuais, que falam de questões mais palpáveis da vida contemporênea, podem servir de bons pontos de partida para a formação de um leitor.

CL - Como você analisa o cenário educacional e/ou cultural do Brasil, após sua experiência como professor na França ?

No Brasil, geralmente o sistema educacional é mais frouxo. Há muitos professores que ensinam pouco e os alunos gostam disso, pois se acostumam com a lei do menor esforço. Se o professor não cobra muito, os alunos estudam menos. Eles não têm medo de perder o ano, pois acabam passando mesmo aprendendo pouco. Isso torna a educação algo pobre, medíocre, um certo faz-de-conta. Na França, por exemplo, percebe-se que há uma seriedade de fundo no sistema educacional. Os programas são discutidos, há controle efetivo do trabalho e há, sobretudo, um compromisso social muito claro quanto à necessidade de formar bem o cidadão, exigindo de professores e alunos um desempenho satisfatório. Há mais cobrança, há mais rigidez na relação professor- aluno, há mais presença institucional do Estado.

CL - O que as instituições de ensino, sobretudo as universidades, deveriam ensinar sobre literatura e não o fazem ?

Deveriam ensinar a literatura como arte da palavra que atua duplamente, formando o lado cognitivo e o lado afetivo do indivíduo. É preciso aproximar a literatura do dia-a-dia do aluno, fazê-lo perceber e acompanhar a existência da literatura e dos escritores na vida cotidiana, interessando-se pela atualidade dos livros, dos lançamentos, das novidades editoriais. Literatura deveria ser um assunto normal do dia-a-dia, como parte da vida de todos os cidadãos.

CL - Gostaria de fazer a mesma pergunta que, há algum tempo, você fez à poetisa Yêda Schmaltz: Ser professor e escritor no Brasil é problema ou solução?

Um ofício complementa o outro; não ajuda nem atrapalha necessariamente. Por outro lado, um professor que escreve é um testemunho vivo da existência do escritor como cidadão comum, ao alcance das pessoas. O escritor que leciona tem a oportunidade de conviver mais de perto com leitores, com pessoas que podem ajudá-lo a ver certas coisas no texto literário, pela ótica do leitor.

CL - Que peso a crítica literária exerce em seu processo de criação?

Normalmente, o escritor acompanha a crítica, naturalmente, como forma de ter um retorno de leitura. Mas, no fundo, ao fazer sua obra, ele não vai simplesmente se direcionar pela crítica. O escritor dever estar convicto de um projeto literário que deseja desenvolver. A crítica nem sempre acerta, seja nos elogios, seja nas restrições a um autor.

CL - Há em seus contos, os presentes em Jaú dos bois são um bom exemplo, um casamento bem sucedido entre conteúdo e forma. Esse resultado é algo natural, ou você trabalha essa técnica?

Em criação literária nada acontece de graça. Para tudo é preciso muito trabalho, muita dedicação e muito cuidado. Literatura é trabalho, é busca, é aprendizagem constante. No meu trabalho, eu traço um objetivo em torno dos efeitos de leitura que tornarão o texto mais expressivo, mais tocante e comunicativo. Em torno disso, estabeleço a forma como o enredo vai fluir, como as revelações serão feitas, como as informações serão dosadas. Tudo isso é feito por respeito ao leitor e à literatura. Em literatura, a espontaneidade é inimiga da perfeição. O autor deve estar consciente de cada passo que dá em seu texto, na busca de um diálogo mais expressivo com os leitores.

CL - Sua obra mais recente, Nhô Guimarães, é uma homenagem ao grande escritor Guimarães Rosa. Fale um pouco sobre a importância de Guimarães e Grande Sertão: Veredas para o cenário literário brasileiro.

O escritor mineiro Guimarães Rosa está entre os autores mais importantes da língua portuguesa. Sua proposta de narrativa é inovadora, pois ele toma a tradição da oralidade e elabora uma linguagem complexa, tão rica de sentidos quanto bela na sua forma exuberante. Grande sertão: veredas é, talvez, o romance mais importante da moderna literatura brasileira. Sua concepção, sua linguagem, seus temas, sua profundidade, tudo isso nos enriquece culturalmente.

CL - O escritor brasileiro conta com algum tipo de apoio do poder público no momento de publicar e divulgar sua obra? Como funciona esse processo?

Há algumas iniciativas oficiais, através de coleções, concursos, mas é tudo muito tímido e insatisfatório. No Brasil, o escritor, em geral, fica jogado ao léu da sorte, tendo de brigar por um lugar ao sol, num mercado altamente restritivo. Como a massa de leitores é ainda muito pequena para sustentar a produção editorial, muitas vocacionados para a escrita desistem ou não desenvolvem plenamente seu potencial, pois têm de se dedicar a outras atividades para sobreviver. Prova disso é que ainda é raro encontrar escritores que vivem profissionalmente de sua produção literária. Em geral, a criação literária é coisa das horas vagas, das noites insones, da teima mesmo dos que se sentem compelidos a escrever por uma necessidade íntima muito forte. Mas, geral, ainda paira no ar uma idéia difusa de que escrever literatura é uma "perda de tempo", tempo que o indivíduo poderia empregar em algo mais "rentável".

CL - Quais as suas expectativas em relação ao panorama literário brasileiro?

Quem escreve deve ter esperança de que o panorama melhore, que os leitores aumentem, que a cultura do livro se desenvolva, que as pessoas não tenham pena de gastar algum dinheiro comprando livro. Há sinais de melhora, mas isso demanda tempo; toda mudança de hábito cultural é lento e precisa ser estimulado. Cabe á escola dizer ao aluno que ler faz parte de sua condição de ser pensante e de cidadão.

CL - Para quem quer se tornar escritor, que dicas você poderia dar?

Primeiro ler muito, ler poesia, ficção, ensaio, ensaios de divulgaação científica, sobretudo no campo das ciências humanas. E viver, buscar a experiência da vida. E, ainda, refletir se escrever é mesmo uma necessidade. Após isso, verificar se tem algo realmente significativo a dizer, e se sabe escrever bem, com consciência do que está fazendo. Não há curso que forme um escritor, mas, ao mesmo tempo, nenhum escritor nasce feito. Eis a questão.


Disponível em : http://www.caminhosdalingua.com.br/entrevista_Aleilton.php acessado em :29/07/09

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Aleilton entra na Aacademia de letras da Bahia

UEFS => Notícias

Professor da UEFS toma posse na Academia de Letras da BahiaASCOM - Assessoria de Comunicação

O escritor Aleilton Santana da Fonseca é o mais novo integrante da Academia de Letras da Bahia. Ele será empossado no dia 15 de abril, em sessão solene a ser realizada às 21 horas, no Palacete Góes Calmon, em Salvador. Saudará o novo acadêmico o escritor Rui Espinheira Filho. Professor de Literatura Brasileira na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Aleilton Fonseca assumirá a cadeira nº 20, cujo último ocupante foi o jornalista Joaquim Alves da Cruz Rios. A vaga nº 20 da cadeira da Academia de Letras da Bahia será preenchida pela primeira vez por um escritor. Até então foi sempre ocupada por juristas e jornalistas, tendo como fundador Carlos Ribeiro, sucedido por Epaminondas Berbert de Castro, Lafayete Spínola, Ivan Americano e Cruz Rios.
Com dez livros publicados, entre os quais Movimento de sondagem, poesia, (Salvador: Funceb 1981) O desterro dos mortos (Rio de Janeiro: Relume Dumará 2001), O canto de alvorada (Rio de Janeiro: José Olympio 2003, com 2º edição em 2004), o escritor, baiano da cidade de Firmino Alves, é co-editor da revista Iararana publicação de arte, crítica e literatura, editada em Salvador desde 1998. Também é co-editor de Légua & Meia, revista de Literatura e Diversidade Cultural, do Programa de Pós-graduação em Literatura e Diversidade Cultural - PPGLDC/ UEFS.Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), Aleilton Fonseca, 45 anos, recebe com muito entusiasmo a sua eleição para a academia, sobretudo por ver tão cedo o seu trabalho reconhecido. “A minha entrada para a academia não é um ponto de chegada, mas a continuação de um trabalho pela literatura, no campo do ensino, da criação e da divulgação. Tenho consciência de que há muito por fazer. Entro na academia para ajudar nesta missão cultural, que é levar a literatura a um número cada vez maior de leitores”.
Na UEFS desde 1998, Aleilton Fonseca integra o corpo docente fundador do Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural da Universidade, no qual orienta dissertações e projetos de Iniciação Científica no tema Literatura e Imagens Urbanas. A sua atuação como professor se estende à Université d’Artois (França), onde esteve como convidado em 2003. Fez palestras e comunicações sobre literatura baiana e brasileira em universidades estrangeiras, como Nanterre, Sorbonne, Artois, Tours (França) e ELTE (Hungria).
Aleilton Fonseca recebeu alguns prêmios, entre os quais o Prêmio Nacional Herberto Sales Contos, da Academia de Letras da Bahia, em 2001. Ele também faz parte de algumas antologias, é colaborador de revistas e suplementos literários e correspondente, no Brasil, da revista Latitudes: cahiers lusophones, editada em Paris França.

Feira de Santana, 07 de abril de 2005.


Disponível em: http://www.uefs.br/home/noticias/abr2005/abr11.html acessado em: 28/07/09


23/10/2008

Lançamento

ALEILTON FONSECA LANÇA LIVRO EM BRUXELAS


Por:Rinaldo de Fernandes

“Les marques du feu et autres nouvelles de Bahia (As marcas do fogo e outros contos da Bahia), 12º livro do escritor Aleilton Fonseca, será lançado esta noite na Livraria Orpheu, em Bruxelas. Reunindo cinco estórias escolhidas com enredos ambientados em cenários baianos, a edição bilíngüe (em português-francês com tradução de Dominique Stoenesco) da publicação chega aos mercados da França e da Bélgica e ainda será distribuído na Suíça e no Canadá. Este é o projeto da Editions Lanore que está publicando o escritor baiano em países de língua francesa.
Membro da Academia de Letras da Bahia desde 2004, Aleilton, 49 anos, conta que há oito anos o tradutor francês Dominique Stoenesco vinha mostrando interesse em seu trabalho literário. ‘Esse projeto tomou fôlego a partir de 2006, quando ele escolheu os contos e os traduziu. Foi um processo intenso de diálogo em busca do melhor resultado’, resumiu o escritor que, até o próximo dia 29, cumpre agenda da editora em diferentes cidades francesas e belgas.
A maratona iniciada dia 9, em Paris, teve seu ponto alto ontem, na Sorbonne. Na famosa universidade, Aleilton, que é doutor em letras pela Universidade de São Paulo e ensina literatura brasileira na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), se encontrou com alunos e professores de literatura brasileira. Antes de finalizar o programa com uma sessão de leitura e um bate-papo com o público, em Toulouse, ele ainda passa por Rennes, na próxima quinta-feira.”



Disponível em:

http://rinaldofernandes.blog.uol.com.br/arch2008-10-19_2008-10-25.html acessado em: 29/7/09

domingo, 2 de agosto de 2009

Poesia...

Autor: Aleilton Fonseca

motivo

calar é ceder à morte
sob o gume da automordaça

o grito é o sangue da vida,
dardo do espírito inquieto

por isso
(meu) grito!
júbilo ou/e dor

sei que eles despedaçam silêncios,
abarrotam vazios e conquistam rumos
que nunca seriam devassados
não fosse sua viagem no tempo

sobretudo
têm o condão de ressuscitar
fragmentos de mim
porventura tombados nalgum combate
oculto nas moitas do tempo


nova meditação sobre o tietê

"Águas do Tietê,
onde me queres levar?
- Rio que entras pela terra
e que me afastas do mar..."
(Mário de Andrade)

águas do tietê,
no jorro de tuas nascentes:
melhor ficassem paradas
em teus reflexos afluentes

tietê: índias águas verdadeiras
quando te chamavas anhembi
e tuas sinuosas ribeiras
guiavam um povo guarani

aquieta-te como lago,
esta pressa para que,
se adiante a luz de espelho
logo tu vais perder?

te insinuas por quilômetros
em teu leito decidido,
insisto no meu reclamo
mas descrês do meu aviso

segues murmurando marchas
incertas em certo destino
e mal sabes o destrato
dos esgotos mais íntimos

por teus caminhos indiretos
viajaram bandeirantes heris,
e agora bandeiam os dejetos
dos seus netos fabris

tuas águas conduziram à glória
os vencedores das regatas
nas linhas d’água da memória
da cidade que não te resgata

águas do tietê,
onde me queres levar?
- teu traçado e teu destino
não se casam com o mar...

exala antes que tarde
o aroma que será deposto!
em tua cor se resguarde
o teu sabor sem desgosto!

pois já te vão injetando
mais volume e vida a menos:
e nas tuas líquidas veias
os insanos vícios dos venenos

em tuas artérias aguascentes,
no percurso transformadas,
corre agora o pus demente:
e mal deságuas putrefatas

eis que te tornas plumas,
brancas formas cristalinas:
belo engano para os olhos,
e o odor corrói as narinas

há remédio mais perfeito
do que apenas uma lágrima,
se todos chorassem em teu leito,
lavando tuas águas da mácula

mas ninguém me escuta, corres
sem garças, só antíteses,
desde o lugar onde morres
até o pasto de lamas líquidas

águas do tietê,
onde me queres levar?
- eis as pontes e tudo é noite,
e muito longe dorme o mar...

te olho e não me vês, assim
em vão, corpo cego de águas:
em verso te afogo em mim,
em ti me afogo em mágoas...

aleilton fonseca, sp, 95


o(fí)cio

há bigornas
espalhadas
por todo espaço
e um fogo larva
que nasce em si mesmo magma
sem nenhuma preocupação com as horas

oficina - casa do ofício, ócio, cio
acima um aviso breve
permitindo a entrada de pessoas estranhas
ao serviço
e martelos
usados ou virgens
e muito
ferro signo
para fundir

portanto
o ferreiro não dorme
e malha o gesto em sangue quente,
como era no
princípio
e agora
e sempre:
poesia

Disponível em: http://www.astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Aleilton+Fonseca acessado em 28/07/2009

sábado, 1 de agosto de 2009

UM NOVO SERTÃO NA LITERATURA?

Críticas e Resenhas


Nhô Guimarães
Aleilton Fonseca
Bertrand Brasil
176 págs.


Nhô Guimarães, de Aleilton Fonseca, adentra o universo de Guimarães Rosa, em homenagem ao grande escritor mineiro


Por: Rinaldo de Fernandes • João Pessoa – PB



Da quarta capa de Nhô Guimarães: romance-homenagem a Guimarães Rosa consta este meu comentário: “Aleilton Fonseca [...] cria uma narradora sertaneja que integra inteiramente o universo rosiano. A linguagem é bem trabalhada, com momentos de muita poesia, com vários achados. O texto vai se tecendo com um acúmulo de saborosos causos”. Paródia reverencial, o romance do baiano Aleilton Fonseca reedita, com muitos recursos, o regionalismo do autor do Grande sertão: veredas. Nos relatos do livro, com efeito, como bem observou Antônio Torres, “paira a figura” de Guimarães Rosa. E ela paira notadamente no ângulo (agudo) adotado ao registrar cenas e certos temas típicos — e tudo numa linguagem bem tecida, exata, que, como indica ainda o autor de Essa terra, evita “cacoetes e excessos”.

Em entrevista ao escritor Lima Trindade, após a publicação do romance, Aleilton Fonseca esclarece: “Um certo dia tive um estalo: ‘Guimarães Rosa andava pelos gerais, de caderno em punho, conversando com o povo e anotando tudo. Ele dialogou com muita gente que acabou inspirando personagens de sua ficção. E se, de repente, uma personagem rosiana narrasse suas passagens pelo sertão?’. Daí, peguei a imaginar como seria essa prosa. Surgiu-me a idéia de criar uma narradora de feição bem rosiana, uma sertaneja experiente e vivida, que assumisse a palavra”. Instigante intertexto, a razão de ser do romance parece ser mesmo, como revelou o próprio Aleilton em outro instante, o trânsito ou “travessia” de significados e linguagem.

Três aspectos chamam a atenção no romance do autor baiano: a narradora (e, por extensão, o seu interlocutor), o personagem Nhô Guimarães e as referências metalingüísticas.

Nhô Guimarães é narrado por uma octogenária viúva, que vive sozinha num pé de serra. O marido, o baiano Manuel Adeodato, o Manu, foi muito amigo e confidente de Nhô Guimarães (alter ego de Guimarães Rosa). A viúva narra, como no Grande sertão: veredas e no conto Meu tio o Iauaretê, para um interlocutor silenciado, sumido. Trata-se de uma sertaneja de fala incisiva, incessante, que conta seus causos e crenças, cultiva a memória do marido (“Guardei sua imagem: um homem vivo, trabalhador e companheiro”), carrega a dor pelo filho desaparecido e, reiteradamente, comenta a grande amizade de Nhô Guimarães. A força dessa narradora, elaborada à maneira do camponês sedentário benjaminiano, reside no registro e/ou transmissão de sua experiência. Sua energia e determinação (“Hoje eu mando em tudo, estou sobre mim, no meu direito”) lembram às de algumas das figuras femininas que aparecem em seus relatos, como Chica Homem (mulher valente, destemida, domadora de animais: “Aos muito brabos domava o rompante dos gestos bruscos, pondo os bichos nas rédeas certas de obedecer e servir”) e Tiana (que descobriu em si “dons curativos”; seu método de curar — homens, sempre eles — terá supostamente aprendido estudando os exercícios do Kama Sutra: “Tiana, com suas mãos de fada, passava ao corpo dos homens os seus calores, os bons remédios das carícias fêmeas. Nesses modos de tratar os desejos, o corpo e a alma dos pacientes se elevavam”). A narradora, uma “velha aprumada”, que ainda planta, colhe e cria e que “vive em paz”, em seu “sossego”, tem certa instrução: “Todo dia, bem cedinho, eu caminhava até a escola da vila. Estudava com dona Arlinda, professora sem diploma, mas muito excelente para os daqui”. É aposentada: “O valor [da aposentadoria] é uma sem-vergonhice de tão pouco...”. E de fé: “Sou católica, e, mais que isso, tenho também outras crenças, como o povo todo do sertão”.

Sertão globalizado

Vale registrar a visão de sertão que o romance de Aleilton apresenta, revelada na própria fala da narradora. Com efeito, em certo momento pelo menos, a fala da velha viúva remete a algumas representações que se fazem contemporaneamente do sertão, ou seja, um sertão modificado, mais aberto ao mundo, onde se projetam, cada vez mais, elementos da cultura urbana globalizada; um sertão tecnologizado, antenado (parabolicamente) com vários problemas e/ou situações do país e do mundo. A narradora diferencia claramente o sertão do passado (“o tempo de homens brabos, esse já passou, agora é tempo de acertos, pelo melhor considerar de todos. Porque antes havia chefe de mando, com seus capangas, suas brabezas”) do sertão do presente (“...o mundo já deu muitas voltas. O sertão vai junto, demudando os seus velhos tratos. [...] Essa terra precisa de olhos novos, de gente sabida, sem medo de mudar as coisas, alargar os horizontes. [...] Ninguém vive mal por gosto [...]. É preciso abrir os caminhos, deixar o povo seguir as trilhas, derrubar as cercas, abrir as porteiras, repartir a terra”). Enfim, para a velha narradora, admiradora de Antônio Conselheiro, o sertão deve ser “de todos”.

E aquele que, paciente, ouve a fala ininterrupta, às vezes nervosa, da narradora? Para a velha viúva, o seu interlocutor, além de algumas qualidades, passa calor humano: “O senhor fica assim calado, mas seus olhos conversam muito. [...] Gostei de seus modos calmos, sua paciência de me ouvir, esses agrados que vêm de seus olhos. O senhor é fino, quieto, atencioso”. O calor humano, ao final, cria mesmo uma suspeita — a de que o moço diante dela pode ser o sonhado neto, filho do filho desaparecido (ela tem sonhos com um menino, cuja figura não sabe distinguir direito): “...o senhor tem o sinal de minha gente. Agora junto os demais: seu olhar, seus gestos, seu modo de sorrir, seu sentimento”.

Por outro lado, a figura quase lendária de Nhô Guimarães, permanentemente associada à imagem do marido Manu (“sabiam ser bons amigos”), de quem a narradora sente muita saudade, é sempre recordada com reverência, como se presente estivesse: “Eu vi, vivi, convivi. Para mim está muito bem vivo”. O personagem Nhô Guimarães, repita-se, é alter ego de Guimarães Rosa, sendo que alguns dados da biografia deste último são sempre postos em cena pela narradora (Aleilton Fonseca, na citada entrevista a Lima Trindade, afirma: “Procurei inserir os dados históricos no ficcional, como se também fossem — e agora são! — uma ficção”; afirma ainda: “A realidade é apenas um marco de referência que garante a verossimilhança”). Dois desses dados, pela sua importância, chamam muito a atenção: o primeiro é aquele que alude à famosa viagem pelo sertão, em 1952, na qual Guimarães Rosa, acompanhado do vaqueiro Manuel Narde, o Manuelzão, anotou muito sobre a fauna, a flora, a fala e as fabulações sertanejas, material que será aproveitado na composição do Grande sertão: veredas. A viagem é assim referida no romance:

Ele fez uma travessia longa, de muita importância para seus escritos. Se aventurou nas poeiras, passagens das mais supimpas, com os demais. [...] No terreiro todo aí fora se arrancharam para o descanso e o de-comer, os animais espalhados convivendo amigos. [...] Nhô Guimarães por tudo a saber e anotar, no sempre, os seus riscos e debuxos no papel. Os aconteceres do mais sertão, lhe dissessem de tudo. [...] Nhô Manuelzão era quem mais sabia ensinar, sempre bom de prosa e de aventura. Os demais, estes cismavam: onde já se viu boiadeiro assim fanfando, todo lorde, bem do seu, de finos óculos? Essa viagem era para retratos e anotações [...], para estampar a travessia em papel, para outra gente saber de tudo e conhecer as aventuras de Nhô Guimarães pelos Gerais.

O outro dado biográfico de Rosa no romance (o autor de Sagarana, sabemos, entrou em 16 de novembro de 1967 para a Academia Brasileira de Letras e, três dias após a sua posse, faleceu de enfarte) está na cena em que Nhô Guimarães informa a Manu acerca de um convite que recebera (“Era sobre sua entrada nas honras de uma famosa casa, lá pras bandas da cidade grande...”). Vale a pena reproduzir o diálogo em que aparece um Rosa titubeante, supersticioso, e um interlocutor desencorajador:

— Nhô não devia de entrar, acho, sei não...

— Mas por quê? — Nhô indagava.

— Conforme Nhô mesmo disse, já tentou uma vez, não foi servido.

— Todos da casa agora desejam que eu entre — ele explicava.

Então, Manu cismou um pouco, e prosseguiu:

— Isto é, o senhor, homem daqui, é pessoa verdadeira.

— O que me apalavra a respeito, em dizeres seguros?

— Nhô, nada não. Isso de o senhor narrar mais certo o que a gente convive, com seu modo de apalavrar, isso é um dom.

— Se entro, perco o dom? Ou será que morro?

— Não sei. Aliás, medite uns anos bastantemente. Às vezes, é depois de uma festa que sobrevém o luto. Todos têm sua hora e vez.

A famosa frase de Rosa (“As pessoas não morrem, ficam encantadas.”) em seu discurso da ABL é reeditada por Manu:

— Então, será que morro?

— Nhô Guimarães, um homem de seu quilate não morre...

Ele reagiu suspirando fundo, enquanto Manu inteirava os termos:

— Fica encantado!

Ricas ainda no romance de Aleilton são algumas referências metalingüísticas — aqueles instantes, não raro iniciando os capítulos, em que a narradora tece comentários acerca do narrar. A velha viúva, que costumava escutar a prosa do marido com Nhô Guimarães (“Nhô Guimarães era esperto e jeitoso em tramar histórias.”), efetivamente, refinou-se na arte de contar — e, no seu caso, repita-se, de contar incessantemente. Vejam-se alguns de seus (preciosos) aforismos acerca de viver e narrar: “É certo contar bons exemplos: nina os mais novos, amansa os mais velhos [...]”; “Uma coisa acontece, mesmo a gente vendo na hora, os olhos já enganam”; “Quem proseia precisa imaginar, palavrear, distrair o parceiro”; “O melhor mesmo da história é o capricho da prosa”; “Prosa de homem às vezes é perto de muitas risadas, não sisuda, para destratar uns aos outros por agravo, maldade ou mau divertimento”; “Eu sei o certo como medir o que falo, com quem proso, onde me declaro”; “Quando o senhor tiver um filho, conte a ele suas histórias, invente, acrescente, dê a ele as boas lições do passado e do futuro”; “Tantas histórias repassadas, nos certos modos de rodear as palavras”; “Entre o acontecido e o imaginado, a gente faz piruetas para agradar o ouvinte”, etc.

Um dos capítulos de Nhô Guimarães (O vingador e o inocente) foi publicado na coletânea Contos cruéis: as narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea, que organizei e lançada no primeiro semestre de 2006 pela Geração Editorial. Outros capítulos do livro, com alguns ajustes (como Dona Sancha, A sorte nas mãos, Juvenal Setesprito, Um trato trágico e, em especial, Simeão, homem do cão!), poderiam perfeitamente ser publicados como contos. Recentemente, ao apresentar a antologia (que também organizei e publicada pela Garamond) Quartas histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa, da qual Aleilton participa com Ave, Maria Mutema!, eu chamava a atenção para a versatilidade dos contistas ao recriarem narrativas de um autor, em princípio, inimitável. Aleilton Fonseca, com muita inventividade, imita um inimitável. Em seu romance, opera um novo regionalismo. Novo regionalismo? Bom, a pergunta pode ser formulada: após os romancistas de 30 e Guimarães Rosa, tão grandes, resta ao regionalismo o quê? Ser, como no caso de Aleilton e de vários dos autores das Quartas histórias, inventivo, intertextual, paródico, pós-moderno.


Sobre o autor
Aleilton Fonseca nasceu em Firmino Alves (BA), em 1959. É doutor em literatura pela USP. Autor de Jaú dos bois e outros contos, O desterro dos mortos e O canto da alvorada.


Disponível em: http://rascunho.rpc.com.br/index.php?ras=secao.php&modelo=2&secao=25&lista=0&subsecao=0&ordem=1117&semlimite=todos acessado em : 29/07/09.