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ovídio: escrever 200 versos
para, dentre, recolher 20 linhas
que contivessem a poesia
de todo o processo:
mas o caudal imenso
não se investe só dos vestidos
da forma nem se conforma
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mas, há o tempo: é preciso,
por humana deficiência,
o instante grafado:
embora o fluxo da essência,
contínuo, jamais se desfaça
na mão: o poema acabado,
tal como lemos,
é somente convenção
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pois
o que acaba de se compor,
já desmorona,
se desdiz, se rediz, mildiz,
novas palavras no invento,
novo inventário
em dez dobras vezes n
desdobra-se
no princípio
e agora e sempre
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a ilíada são muitas ilíadas,
quão homeros a escrevê-la
e talvez por concluí-la ainda:
as estrofes que agora lemos
à falta da mão de homero
damos então por findas
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mas no poema: cada verso,
é reverso do verso, diverso
no próximo segundo;
cada palavra cede
seu lugar, chama
a outra, que logo apaga,
outra chama, reacende sílabas,
rimas, sentidos,
rios incontidos
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os lusíadas de camões,
o que lhe sobrou de naufrágios,
para sempre incompletos
daquilo que virou água,
ou que ficou disperso,
dos versos tornados mares,
onde camões? (oh, finitude!)
para prosseguir o que não deu tempo:
com engenho e virtude
e arte
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o poema muda
de cor e de nome a cada piscar
de olhos,
se alonga, se encurta,
cada rima some
no som que emite
e transmite a centelha
à outra rima, parelha:
corrida de som infinda
poemando-se
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baudelaire reescreveu as flores
até o fim de sua vida
e as flores ali contidas
não estão terminadas,
a não ser por convenção
e favor à comodidade:
baudelaire houvesse vivo,
as flores contínuas, mudadas
9
cada versão, tal rima a esmo,
reinscritos versos,
os ex-certos, nem mais
nem menos certos,
o mesmo intérmino texto,
em eterno palimpsesto
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os calligrammes de apollinaire
necessitam de revisão:
pena que o poeta
não esteja aqui a fazê-la
e que assim seja
"para o bem da convenção"
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pois o poeta e o poema,
entre si adotados, convivem
diários, instantâneos, côngruos,
mesmo se esquecidos um do outro
cada um é outro e o mesmo;
que a cada golpe de ar
novos sensos se acumulam
nos joelhos das palavras
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quantas pe(r)sso(n)as e vozes
no baú de inéditos do pessoa
à espera de nome e signo
e profissão e biografia:
e não fosse a vã cirrose
quantas mensagens ele a refaria?
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o poema é o fazer incompleto,
o refazer nunca pronto
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pois o poema,
já no instante que pronto,
já recomeça,
em processo difuso,
inconcluso,
intransitivo, de re-flexões:
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que não há o poema particípio,
mas sempre o poema gerúndio
em constante fervura:
é novo e outro, na leitura,
nos reciclos dos segundos
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o poema que se lê
é tábua de aproximação
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o poema publicado: trato caduco,
que junto ao poeta já está mudado:
mesmo que não o mude a letra,
mesmo que não o mude a rima,
que não mais o toque,
por respeito ao senhor editor,
por respeito ao senhor leitor,
ao senhor pesquisador
ao senhor louvor:
mesmo que o poeta
assine a convenção do texto
pronto (para o mercado?)
ou mesmo abandone o texto,
a pretexto de acabado,
o poema disporá da hora
de ser outra vez revelado
se outra voz o adota
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e o poeta, com seu texto pronto,
se já se embebe de elogios eunucos
já saliva manifestações de apreço,
e a poesia paga o preço
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o poema publicado:
mera marca provisória,
impresso para as provas
de que se faz a história:
é o rastro de um vôo veloz
que poesia é rio que recomeça na foz;
quando se digita o ponto
final, já é hora de apagá-lo
que a corrente segue em frente,
os seus elos sem intervalo
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contudo, pobres humanos,
só sabemos existir
imprecisos
entre pausas: comer, beber
ir ao banheiro,
ganhar e gastar dinheiro,
dormir, sonhar, sorrir;
as causas para o viver
a pausa para morrer:
a poesia perde por esperar
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somente em alguns momentos
somos o poeta, em vigília e fé:
em que a poesia, nosso invento,
nos inventa
e nos dá a concessão do poema,
mero quadro, em interrupção,
que ela é onda contínua em nós
mesmo se nos deixa sós
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então, poetas,
que já me ensinam o sem início
nem fim:
o ponto final, abolido!
o ponto inicial, abolido!
o começo, simples acerto de pares,
o fim o sem-fim inumérico,
infinita água de mares,
o poema dito no instante
que a poesia o dita
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pois a poesia, estado de ser,
não se captura no humano molde
de letras; ela resiste e insiste
diante dos olhos invisíveis
do poeta que se sabe seu
que a sabe sua,
e sabe: a poesia nua,
companheira e algoz,
toma-lhe o fôlego e a voz,
suspende suas noites,
retira-o da vida, e, num átimo,
se entrega por um instante
entremostra-se, falso-domada
em registro parcial
da luta jamais vã,
mal rompe a manhã
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a poesia: o rosto na água;
o poema, sua inconstante
aparência, forma mutante,
em recorrência, minúsculas
mudanças em contínua
ação
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poetas, retomem os seus poemas
despregando-os do papel impresso,
raspando-os da tinta áfona,
em renovada contradança
de metáforas em processo:
o poema, colado no branco da página,
clama por fluir e refluir
em novas sintaxes,
em novas vírgulas,
em novos sentidos;
desdobrar-se em leques vários,
entremostrar, desde as entrelinhas,
seus novos significandos
em poessência
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que se o poema se esgota,
da poesia abandonado,
torna-se somente corpus,
de pesquisa e enunciados,
em autópsia textual
que lhe decreta o sentido,
em seu mais "último grau",
de seus versos dissecados
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oh, amém, poema finado
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mas não há a poesia finita,
mas corrente, em espiral, sem termo
o poema é o instante,
dessa corrente em passagem
re-fulminante,
diante dos olhos atônitos
do poeta, às vezes surpreso,
em agônico gesto
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o poema re-preso no papel,
em tinta enformado,
sob tratos cosméticos, convencionados,
esconde sua verdade;
o poema é mais que o brilho de letras
para olhos desavisados,
e, como não há parto asséptico,
assim nasce, corpo de palavras,
entre suor e risos e gases e lágrimas
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sempre o poema-sendo-ando-indo,
em gerundivo estando, em contínuo...
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Motivo
calar é ceder à morte
sob o gume da automordaça
o grito é o sangue da vida,
dardo do espírito inquieto
por isso
(meu) grito!
júbilo ou/e dor
sei que eles despedaçam silêncios,
abarrotam vazios e conquistam rumos
que nunca seriam devassados
não fosse sua viagem no tempo
sobretudo
têm o condão de ressuscitar
fragmentos de mim
porventura tombados nalgum combate
oculto nas moitas do tempo
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O(fí)cio
há bigornas
espalhadas
por todo espaço
e um fogo larva
que nasce em si mesmo magma
sem nenhuma preocupação com as horas
oficina - casa do ofício, ócio, cio
acima um aviso breve
permitindo a entrada de pessoas estranhas
ao serviço
e martelos
usados ou virgens
e muito
ferro signo
para fundir
portanto
o ferreiro não dorme
e malha o gesto em sangue quente,
como era no
princípio
e agora
e sempre:
poesia
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Nova meditação sobre o tietê
"Águas do Tietê,
onde me queres levar?
- Rio que entras pela terra
e que me afastas do mar..."
(Mário de Andrade)
águas do tietê,
no jorro de tuas nascentes:
melhor ficassem paradas
em teus reflexos afluentes
tietê: índias águas verdadeiras
quando te chamavas anhembi
e tuas sinuosas ribeiras
guiavam um povo guarani
aquieta-te como lago,
esta pressa para que,
se adiante a luz de espelho
logo tu vais perder?
te insinuas por quilômetros
em teu leito decidido,
insisto no meu reclamo
mas descrês do meu aviso
segues murmurando marchas
incertas em certo destino
e mal sabes o destrato
dos esgotos mais íntimos
por teus caminhos indiretos
viajaram bandeirantes heris,
e agora bandeiam os dejetos
dos seus netos fabris
tuas águas conduziram à glória
os vencedores das regatas
nas linhas d’água da memória
da cidade que não te resgata
águas do tietê,
onde me queres levar?
- teu traçado e teu destino
não se casam com o mar...
exala antes que tarde
o aroma que será deposto!
em tua cor se resguarde
o teu sabor sem desgosto!
pois já te vão injetando
mais volume e vida a menos:
e nas tuas líquidas veias
os insanos vícios dos venenos
em tuas artérias aguascentes,
no percurso transformadas,
corre agora o pus demente:
e mal deságuas putrefatas
eis que te tornas plumas,
brancas formas cristalinas:
belo engano para os olhos,
e o odor corrói as narinas
há remédio mais perfeito
do que apenas uma lágrima,
se todos chorassem em teu leito,
lavando tuas águas da mácula
mas ninguém me escuta, corres
sem garças, só antíteses,
desde o lugar onde morres
até o pasto de lamas líquidas
águas do tietê,
onde me queres levar?
- eis as pontes e tudo é noite,
e muito longe dorme o mar...
te olho e não me vês, assim
em vão, corpo cego de águas:
em verso te afogo em mim,
em ti me afogo em mágoas...