Por: Rinaldo de Fernandes
Aleilton Fonseca é ficcionista, ensaísta e poeta. Publicou vários livros, entre os quais as coletâneas de contos Jaú dos bois (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997), O desterro dos mortos (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001), O canto de Alvorada (Rio de Janeiro: José Olympio, 2003; 2ª edição em 2004), o ensaio Enredo romântico, música ao fundo (Rio de Janeiro: 7 Letras, 1996) e os romances Nhô-Guimarães (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006) e O pêndulo de Euclides (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009). Recebeu, entre outros, o Prêmio Nacional Herberto Sales/Contos (2001) da Academia de Letras da Bahia. É co-editor de Iararana: revista de arte, crítica e literatura, editada em Salvador desde 1998. Em agosto de 2004, foi eleito para a cadeira 20 da Academia de Letras da Bahia. Doutor em Letras pela USP, é professor de Literatura Brasileira na Universidade Estadual de Feira de Santana (BA).
Rinaldo de Fernandes – Você tem dois romances publicados, ambos na linha da intertextualidade: um dialoga com Guimarães Rosa e o outro com Euclides da Cunha. Por que essa opção?
Aleilton Fonseca – Antes de tudo, sou um leitor, e esses dois autores contribuíram muito para a minha formação e identidade intelectuais. Os temas rosianos me impressionam e o texto euclidiano sobre Canudos me deixa perplexo. Por isso, eu quis dialogar com a trajetória e a escrita de ambos. Meus dois romances os transformam em personagens de ficção, e, ao mesmo tempo, trazem à discussão certos aspectos de sua narrativa, em face de suas ideias e experiências de vida. Ao lado disso, tento criar situações novas em que a voz sertaneja assume o lugar principal da narrativa, fluindo em torno dos temas, apresentando outras nuanças e outra compreensão dos fatos culturais e históricos do sertão.
Rinaldo de Fernandes – Outra característica importante de seus romances é a oralidade. Fale sobre isso.
Aleilton Fonseca – Isso tem a ver com a minha formação híbrida, ao mesmo tempo sertaneja, na infância, e citadina, na juventude. Cresci ouvindo histórias maravilhosas contadas por minha avó e minha mãe. Sou de origem rural, e ainda jovem migrei para a cidade. A oralidade está na base de minha formação e de minha imaginação, daí procuro estabelecer uma transição desse universo para a escrita, mas sem apagar suas marcas culturais. Geralmente os narradores letrados utilizam linguagens de origem escolar e bibliográfica (para não dizer livresca), já os narradores orais dão uma contribuição igualmente importante cuja fonte é a linguagem original da experiência direta com a vida, no seio das culturas populares.
Rinaldo de Fernandes – Você se considera um autor regionalista? O que é o regionalismo para você?
Aleilton Fonseca – Sou um escritor de língua portuguesa. Considero “Regionalismo” um rótulo ultrapassado, um equívoco na nomenclatura classificatória da literatura brasileira. Só existe aqui. O conceito vem sendo muito questionado ou relativizado em notas e introduções de teses e ensaios atuais. É preciso ter coragem de rever isso. Não é um termo literário, mas geográfico e sociológico, cuja origem remonta ao cientificismo do século XIX. Adquiriu um sentido ideológico, na medida em que tem servido para “isolar” autores diferentes, numa mesma rubrica, excluindo-os relativamente da “literatura nacional”. É preciso desmontar esse conceito e nos livrar de seu ranço ideológico.
Rinaldo de Fernandes – Você já falou em “romance baiano”. Como vê essa relação entre literatura regional e a de expressão nacional? Pode-se falar em “literatura baiana” ou mesmo “gaúcha”?
Aleilton Fonseca – No interior da cultura, a produção literária tem uma dimensão política, e isso tem a ver com publicação, difusão, consumo, reconhecimento e prestígio de autores, cujo epicentro pode ter origem nos lugares sociais e culturais nos quais eles se inserem, e de onde se podem projetar para o país e o mundo. Daí os adjetivos. É com essa compreensão que podemos falar em afirmação do romance baiano, do romance nordestino ou do romance gaúcho, mineiro, paraibano, etc. Essas definições pertencem a um campo extraliterário, porém pertinente e interveniente em termos de políticas culturais. Como pesquisador e como professor, tenho o direito de estabelecer um nicho de leitura, estudo e abordagem de romances produzidos por autores de um lugar (cidade, estado, região, país), com objetivos temáticos e afins, ou por interesse de promover uma afirmação cultural específica. Mas não se pode perder a dimensão de que as diferenças e especificidades locais não devem levar à exclusão nem ao isolamento, mas sim afirmar a identidade e a importância de um grupo dentro do universo plural da literatura.
Rinaldo de Fernandes – Como professor universitário, como pensa o ensino de literatura, hoje?
Aleilton Fonseca – É preciso promover a leitura e a vivência dos textos. A literatura precisa ser considerada como matéria do dia a dia das pessoas, não como mero objeto de estudo dissecado na mesa da sala de aula, numa operação meramente escolar. É preciso adotar os diversos modos de ler e dialogar com o texto literário, com consciência de que os instrumentos conceituais determinam o resultado das leituras. Não há a verdade sobre o texto, mas abordagens que são coerentes na medida em que estabelecem nexos inteligíveis e aceitáveis entre o texto e o método de aferição de seus diversos aspectos. Precisamos formar leitores sensíveis, que sejam capazes de dialogar com o texto, relacionando-o com suas vivências e sua visão de mundo. Se formos bons leitores, alguns de nós poderão ser bons analistas, críticos e exegetas. A literatura é muito útil. Faz muita falta a quem não lê. Devemos ensinar isso às novas gerações.
Rinaldo de Fernandes – O que acha dos prêmios literários? Eles têm que importância?
Aleilton Fonseca – Os prêmios são importantes e indispensáveis como forma de reconhecimento, recompensa e promoção de autores e obras, em várias modalidades da escrita e da vida cultural. Mas não são a última palavra sobre as obras e os autores. A forma de aferição nem sempre é justa, e às vezes são muito duvidosas. Alguns prêmios são consagradores, dando boa recompensa econômica e alto prestígio literário. No entanto, a maioria dos prêmios agracia os autores já consagrados, ou lhes concedem, às vezes tardiamente, altas somas pecuniárias. Creio que também deveríamos ter prêmios com uma política mais formativa, com gradações, com faixas de idade e faixas geográficas, de modo a destacar e promover escritores em formação, revelações, talentos emergentes e autores que estão a um passo de um reconhecimento em escala maior.
Rinaldo de Fernandes – Como vê a relação do escritor com a sociedade, com a política?
Aleilton Fonseca – O escritor é um cidadão como outro qualquer, com valores e ideias, qualidades e defeitos, acertos e equívocos. Numa sociedade pluralista e democrática, ninguém deve ter o privilégio de dizer “verdades”, mas todos têm o direito de emitir opiniões e participar do debate cotidiano. A ação social do escritor, para além de ser um produtor cultural, pode ser relevante a depender do seu grau de inserção, importância e aceitação na vida cultural e política do país. Há autores que têm uma voz social mais ampla, sobretudo aqueles que escrevem na imprensa, dão entrevistas, emitem opiniões, são consultados etc. Esses autores participam mais diretamente do debate, podendo, em alguns momentos, aparecer como porta-vozes da classe, ao emitirem opiniões sobre assuntos de interesse geral. No fundo, o que fica de um escritor são os seus livros, como propostas de reflexão sobre o ser humano e a vida, em seus diferentes aspectos. Não é pouco.
Disponível em: http://rinaldofernandes.blog.uol.com.br/ Acessado em:10/07/2010
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