domingo, 8 de agosto de 2010

Aleilton Fonseca: entre a memória e o imaginário / Entrevista

Por: Paula Ivony Laranjeira de Souza



Trecho da entrevista realizada em 2008 (para trabalho de TCC) com Aleilton Fonseca, que além de poeta, contista, romancista e membro da Academia Baiana de Letras, é professor-doutor na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). Numa conversa significativa, o olhar fonsequiano sobre a literatura e as experiências cotidianas guardadas na memória, alimento do seu fazer literário. Após esta entrevista, é possível entender que o sujeito de que fala em seus textos faz parte de suas vivências – reais ou imaginárias. Personagens estes que também se configuram em sujeitos das nossas vivências.


1. Você nasceu no interior, mais precisamente Firmino Alves. Como era sua vida nesta e/ou em outras cidades do interior que já tenha morado?

R- Passei apenas a primeira infância em Firmino Alves. Quando tinha 4 anos de idade, minha família se mudou para Ilhéus. Lembro-me da paisagem rural, as roças de gado, de cacau e as casas de farinha, rios, plantações – e lembro de cenas cotidianas do centro da pequena cidade de Firmino Alves, que emancipou em 1960.

2. Elas contribuíram de alguma forma para a criação do espaço ficcional em seus contos? De que forma?

R – Creio que sim; todas as experiências acumulam-se como um saber que se manifesta naquilo que escrevemos. Toda obra literária tem um lastro na vivência e na imaginação. Esses saberes se manifestam nos temas, na configuração dos personagens, nos valores que são acionados nas tramas dos contos.

3. Ao ler seus contos nos deparamos com dois temas: a memória e a morte. Em entrevista a José Inácio V. de Melo, você fala sobre o porquê da temática morte, mas e a memória, estaria relacionada ao “Boom da memória” das gerações pós-guerra? Ou tem outro motivo?

R – A memória com que trabalho não é datada; ela é intrínseca ao ser humano como um material que constitui um saber do vivido, do intuído e do imaginado. A memória de nosso viver cotidiano se constitui como uma marca pessoal; cada indivíduo possui essa memória, essa consciência de si, dos outros e do mundo, da existência, da vida e dos saberes. Eu me utilizo dessa memória e a reconfiguro através da imaginação para inventar personagens e situações ficcionais como simulacro da realidade. Por isso, minha ficção assemelha-se a vivências reais.

4. Sobre seu livro O desterro dos mortos, como você o define?

R – Trata-se de um livro em que a ficção se torna uma forma de compreender o sentido das perdas e resolver seus vazios através das epifanias do cotidiano. Onde há vazio, na verdade manifesta-se algo que ainda não percebemos. Na dialética da vida, nenhuma perda é vazio total, pois inaugura a possibilidade do que vem a ser em lugar do que se perdeu. O livro mostra isso: as perdas são momentos de descobertas e de crescimento.

5. O conceito de mimesis é, para a compreensão da Poética de Aristóteles, um termo chave que sustenta suas considerações a respeito da Arte poética; termo este que designa, em sua acepção mais geral, imitação. Como você relacionaria O desterro dos mortos e a mimese?

R- Acredito na literatura como “lições de vida”, ou seja, como simulacro de uma realidade possível, porém não real e sim imaginada, que guarda verossimilhança com a vida e se torna uma forma de vivência vicária. Nesse sentido, adoto o princípio aristotélico de que a literatura é verossimilhança e catarse. O desterro dos mortos é isso: catarse e verossimilhança, pois a imaginação recria uma realidade possível, como forma de atingir os afetos, os sentimentos do leitor, levando-o a vivenciar momentos de catarse e reflexão.

6. Ao entrar na universidade de todas as descobertas que fiz, a mais preciosa foi a de que a literatura não era algo dado e acabado. No entanto, muitas pessoas não têm acesso à universidade e infelizmente acabam não conhecendo o lado “vivo” da literatura. Muitos não têm acesso às novas produções literárias. Em sua opinião, o que contribui para isso?

R – A cultura ocidental tende a sacralizar as obras e os autores, tornando-os referências distantes do cotidiano das pessoas. A literatura deve ser vista como um processo em aberto, pois o sentido último de cada obra é dado, revelado e renovado a cada leitura. Todo leitor é autor, no ato da leitura, pois ele instaura os sentidos que se atualizam em sua leitura. O texto pode ser retomado, reescrito, reelaborado, pois se oferece a um processo contínuo de produção de sentidos. Todos deveriam poder vivenciar a literatura de uma perspectiva de “dentro”, como leitor/re-escritor. Isso tornaria a literatura uma prática mais coletiva e mais próxima de todos.

7. O que se percebe é que você sempre foi muito atuante no que se refere a literatura: movimentos literário, revistas, poesias, prosa, crítica literária. Como é ser um escritor nesse país e/ou na Bahia?

R – Muito difícil. Na Bahia um autor publica dez livros, os jornais noticiam todos, e nem assim ele se torna conhecido e respeitado como escritor. Nosso estado ainda não assimilou a literatura e o escritor como elementos da cultura e da economia que valem a pena como investimento simbólico e econômico. Não se promovem os escritores no sistema de ensino, não se promove o livro como bem de consumo importante e indispensável à formação integral do cidadão. Tudo que se faz aqui é muito pouco e sem perspectiva de continuidade e de consistência. A Bahia precisa de uma política de educação para a leitura, uma campanha de valorização do livro para consumo cotidiano.

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