Márcio Roberto Soares Dias
Resumo: Partindo de uma releitura de
alguns causos narrados no romance Nhô Guimarães (2006), de Aleilton Fonseca, em que se destaca a vingança
motivada, a priori, pela honra e pela justiça do sertanejo como mola
propulsora das manifestações de violência que impulsionam cada narrativa, o
presente texto pretende dispor de um olhar, ainda discreto, sobre o valor
cultural deste código da vindita no sertão e sobre a apropriação ficcional
desta temática. Busca-se ancorar, mais detidamente, nos postulados teóricos de
Antônio Cândido (2006a; 2006b); Afrânio Coutinho (2008); Gilles Lipovetsky
(2005) e Walter Benjamin (2011), para esta investida inicial.
Palavras-chave: Vingança; Literatura; Cultura.
“Meu
senhor, honra é coisa boa, porém ruim. (...) De lado a lado, homens e animais,
munição feita, com desejo de morte e vingança.”
(Nhô
Guimarães – Aleilton Fonseca)
Um breve introito ao romance
O
romance do escritor baiano contemporâneo Aleilton Fonseca, Nhô Guimarães, foi
publicado em 2006 pela editora Bertrand Brasil. Na sua proposta inicial, o
texto que foi escrito em homenagem ao escritor mineiro João Guimarães Rosa
devido à comemoração dos cinquenta anos da publicação de Grande Sertão:
Veredas, sua obra mor, com a qual esta outra obra independente dialoga
bastante. O romance de Aleilton Fonseca teve
antes desta oportunidade um formato menor de conto que foi publicado num outro
livro do autor, intitulado Desterro dos mortos (2001). No entanto,
segundo Santos e Queiroz (2011, p.832), o autor sentiu a voz narrativa o
incomodar mais uma vez e daí passou a transformar o que era, inicialmente, uma narrativa
curta em uma novela. Posteriormente,
talvez em virtude de perene insatisfação, o texto ganhou outras proporções e
passou de novela à romance.
Uma
das marcas constantes na narrativa de Nhô Guimarães é a semelhança
estilística e temática com a obra do homenageado João Guimarães Rosa, aspectos,
aliás, que o próprio escritor baiano afirmou lhe servir de fonte de criação.
Segundo Aleilton Fonseca (2002, p.384),
(...) é uma aproximação
paradoxalmente distanciada, de modo a evitar as demasias, não vestir o gibão de
Rosa, que só a ele lhe pertence por invenção particular e estatuto canônico.
Mas, ao largo, nas vizinhanças, nos arredores de seu sertão – voltar à fonte
primordial – onde ele bebeu e generosamente cavou poços de sentidos,
inesgotáveis. Reabraçar o sertão em estado de matéria-prima, de onde ele partiu
– e nós também temos o direito de partir.
Não
obstante, Nhô Guimarães ultrapassa o mero diálogo e a merecida homenagem
à Guimarães Rosa, enveredando, ele próprio, em novas incursões pelo sertão e temáticas ligadas à cultura do povo que o
habita. Com este olhar, o escritor baiano elabora
uma narrativa em que sobressaem tanto uma intertextualidade
independente quanto, por assim dizer, procedimentos artístico-literários
próprios ao grande escritor mineiro, como mote para trabalhar e inventar a sua
própria arte-verbal. Sobre esta peculiaridade da narrativa de Aleilton Fonseca,
em questão, e, por extensão, da sua obra, Olivieri-Godet (2010, p.97-98) afirma
que
numa linguagem extremamente
inventiva e saborosa, o texto realiza um reaproveitamento lúdico dos dados
biográficos do escritor mineiro, faz uso de procedimentos narrativos próprios
de sua obra, explora as relações entre experiência e relato. Consegue dessa
maneira recriar uma atmosfera rosiana num texto que não é mais de Rosa,
radicalizando assim o diálogo intertextual na experiência de falar o outro sem
ser o outro.
Nessa
perspectiva, o romance Nhô Guimarães se apresenta como um grande convite
ao leitor para conhecer o sertão por meio de alguns dedinhos de prosa com uma senhora octogenária e viúva, sempre com
um “causo” na ponta da língua para entreter o seu único visitante, um
interlocutor oculto. Tratam-se de estórias surpreendentes, guardadas na memória e contadas com a fluência típica
da sabedoria popular. Como questões centrais de suas narrativas, estão as
lembranças da amizade que seu finado marido, seu Manuel Adeodato, ou “Manu”,
espécie de curandeiro da região, tinha com Nhô Guimarães (o próprio escritor
mineiro), que, em suas viagens, costumava aparecer para
lhes fazer uma visita, “assuntar” e aprender com Manu um pouco da medicina
caseira e natural, e para prosear sobre assuntos corriqueiros do dia a dia da vida daquele povo sertanejo.
A vingança em Nhô Guimarães
Dentre
questões, aspectos e temas tratados ao longo do romance Nhô Guimarães, nos mais de trinta “causos”
contados pela narradora sertaneja, uma temática ganha corpo e relevo: a manifestação da vindita, ou as suas irrupções,
presente em pelo menos cinco estórias. Como tema amplamente abordado pela literatura
universal, sua repercussão analítica também possui um histórico
grande e reconhecido, por se tratar de um aspecto social relevante e fértil
para a criação artística e literária. Assim, tem-se à disposição uma gama de
conhecimento oriundo das ciências humanas e sociais, que já abordaram a vindita
ou o código da vingança, devido ao seu aspecto judiciário de conduta, como
prática social.
Na
arte e na Literatura, a vingança é tratada como um bom motor de acontecimentos
encadeados e bem ordenados, elementos primordiais para a construção do gênero
narrativo e ficcional. Segundo Antônio Candido (2006b, p.26), “a perfeita visão
da vindita não se realiza num só momento; requer o encadear sucessivo de
acontecimentos que levam do motivo inicial à desforra final”. Por isso, sua
melhor adequação formal aos gêneros narrativos e também dramáticos.
Como
bons exemplos de textos literários canônicos e mundialmente conhecidos, pertencentes
tanto ao gênero narrativo como ao dramático, que se apropriaram do código
vingativo para movimentar suas tramas, podem ser mencionados, aqui, a Ilíada de Homero, Hamlet de
Shakespeare, O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, e Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Marquez. Contudo,
parece ser em algumas cenas da vindita em Grande
sertão: veredas, Sagarana e Primeiras Estórias[3],
de Guimarães Rosa, que se exemplifica a questão do código da vingança como lei
cultural de conduta das relações sociais sertanejas mais especificamente.
Já
no romance de Aleilton Fonseca, em questão, sobressaem manifestações de
violência que sinalizam um claro direcionamento para a desforra, motivada por
alguma ação que atenta contra a honra ou a dignidade de algum indivíduo ou família, como nos excertos a seguir
extraídos da narrativa:
- Como me informaram, o senhor confere:
é quem procuro, autor de um crime contra gente minha. Agora é sua vez de
morrer. (FONSECA, 2006, p.20)
Nhô Barreto, demais envelhecido e
adoentado, na hora da morte, pediu ao filho mais velho que buscasse e matasse a
irmã em nome da família. (FONSECA, 2006, p.157)
Vivia para vingar o filho.
(FONSECA, 2006, p.81)
Neste
viés, a vindita se apresenta, aqui, como uma prática de um código não escrito,
porém legitimado pelos sujeitos que a ele se submetem em respeito aos costumes
e à tradição, à moral e a uma ética do povo sertanejo. Com um sentido que visa
o equilíbrio das relações sociais, segundo Gilles Lipovetsky (2005, p.150), “o
código da vingança é empregado para impedir o surgimento do indivíduo
independente, voltado para seu próprio interesse. Nesse caso, é colocada em
ação a prioridade do todo social sobre as vontades individuais...” É importante
perceber, neste sentido, que as estórias presentes em Nhô Guimarães, nas quais a vingança aparece, sempre trazem uma
questão que envolve as relações pessoais e de parentesco, ou seja, envolvem um
laço de sangue: “Cresci para vingar o nosso sangue.” (FONSECA, 2006, p.21).
O
sangue ou o seu derramamento, aliás, é um aspecto presente e necessário para a
limpeza da honra do cobrador ou do vingador em algumas destas estórias
narradas. Trata-se de uma espécie de tortura em que não basta somente a punição
ou a devolução de uma ação maléfica, mas de um ensinamento. A vingança extrapola o sentido da punição como ato meramente
retributivo a uma ação condenada pelos costumes, erigindo-se
como remédio purgativo a ser ministrado ao agente da infração no afã fazê-lo
remir sua culpa e de se arrepender por meio do
sofrimento extremo e da morte lenta. Neste viés, a vingança, enquadrada dentro
de uma moral e de uma ética próprias ao sertão em certo momento histórico, atua
como elemento de regulação das ações dos
indivíduos, e não como manifestação de violência desregrada.
- O
senhor vai morrer sabendo que morre, com esse chuço varando seu coração no fim.
Não foi desse jeito que procedeu contra gente minha? (FONSECA, 2006, p.23)
- Seu Nenzinho, socorro!
Nenzinho
virou pedra? De pé estava, ali ficou, sem mover um dedo, só apreciando o
desastre. (FONSECA, 2006, p.115)
Nestes
excertos, tanto no questionamento final do primeiro causo quanto no comentário
do narrador deste último, evidencia-se o aspecto lento das ações vingativas dos
personagens (vingadores). Assim, tanto a omissão de Nenzinho quanto o jeito
perverso de se vingar apresentado na primeira estória, configuram o caráter de
purgativo que leva à reflexão aqueles que se tornam objeto da vingança.
Na
relação envolvendo as ações vingativas dos indivíduos e as suas respectivas motivações vê-se presente uma noção de honra, que, a
priori, seria a razão da própria existência do código da vingança que regula a conduta das pessoas a ele submetidas. Para Borba (2007, p.44), “a supervalorização
da honra difere, sob certos aspectos, entre os grupos sociais, mas mantém um
aspecto em comum: o olhar do outro sobre o que o sujeito é ou aparenta ser”.
Aqui, o sentido da honra estaria próximo de uma ideia de respeito e dignidade que
a sociedade espera de um indivíduo. Portanto, a perda da honra repercute no
grupo social que espera uma reação à altura da ofensa desferida, a fim de que a
lei consuetudinária seja respeitada. Esse agravo
à honra configura-se, portanto, como um motivo legítimo para que se busque a
reparação dos danos por meio de um mal igual ou maior sobre o outro sujeito que
iniciou a relação de afronta.
Em
certos “causos” relatados pela narradora de Nhô Guimarães,
esta ideia de afronta à lei e à ordem consuetudinárias
se apresenta com nitidez, como na estória da moça, filha de um fazendeiro, que
se apaixona por um rapaz pertencente a uma família rival à sua. Se a paixão leva
o moço a dirigir-se ao pai de sua pretendente para solicitar-lhe a mão da filha
em casamento, a humilhação em público por que passa no momento em que lhe é
recusado o pedido ganha dimensão desmedida, afigurando-se como grave afronta à
honra, uma vez que o expõe diante do seu círculo social. Há uma espécie de
subversão da ordem social, que somente será restabelecida por meio de ações contundentes.
Como adverte a narradora,
nunca humilhe pessoa alguma, qual
seja inimigo derrotado na afronta, na briga, no braço ou na palavra. Evite
esticar rezingas, cometer destratos que deixam o sujeito quieto, abatido,
cabisbaixo, com gosto e sina de se vingar. Desavença recolhida é coisa muito
perigosa. (FONSECA, 2006, p.112-113)
Ora,
a “honra é coisa boa, porém ruim.
(...)” (FONSECA, 2006, p.160); ou seja, trata-se de um bem simbólico almejado
por todos. No entanto, os elementos que envolvem as insígnias dessa distinção
valorizam-se de tal forma que a vida em sociedade torna-se insuportável se algo
lhe abala o mérito. Assim, no contexto histórico e social das narrativas de Nhô
Guimarães, não há possibilidade de definir se a defesa da honra seria algo
reprovável. Ela existe, faz parte da cultura, independente de qualquer
julgamento favorável ou não. Por isso, os atos perpetrados para recuperá-la nem
sempre são passíveis de recriminação.
Muitas
vezes percebida como uma ação que visa o restabelecimento de uma situação de
ordem momentaneamente abalada, estaria contida na vingança uma noção de
justiça, assim entendida como equilíbrio e quitação de pendências oriundas das
relações sociais travadas por sujeitos, com o
sentido de cobrança e de ajuste entre dois ou mais indivíduos que possuem uma
causa em comum. Neste momento, torna-se importante compreender a apropriação do
termo “justiça”, uma vez que se tem a existência de alguns significados não
muito convergentes.
Para
a exemplificação de algumas apropriações do termo, no dicionário da Língua
Portuguesa,
por exemplo, o vocábulo “justiça” possui um sentido de ser ou estar em
conformidade com o Direito e com o julgamento das causas, segundo a melhor
consciência. Nota-se que, neste caso, a justiça é entendida, também, como uma
entidade, uma corporação ou uma instituição que detém o poder de arbitrar sobre
os efeitos do desajuste social. Sob este viés, os sujeitos não poderiam
praticar atos conforme o seu entendimento da situação, sem uma intervenção de
um terceiro elemento: o Estado, legítimo monopolizador do poder coator e de
sanção. Em outras palavras, qualquer um que estivesse submetido à norma
positivada, não teria o direito de promover a justiça por suas próprias mãos e,
portanto, não poderia se vingar de uma desonra. Aqui, apresenta-se, claramente,
uma noção de monopólio da violência por parte da instituição estatal na figura
da justiça/Direito, como medida preventiva contra qualquer desordem pública ou
afronta ao ordenamento jurídico. Segundo Benjamin (2011, p.127),
(...) talvez se devesse levar em
conta a possibilidade surpreendente de que o interesse do direito em monopolizar
a violência com relação aos indivíduos não se explicaria pela intenção de
garantir o próprio direito; de que a violência, quando não se encontra nas mãos
do direito estabelecido, qualquer que seja este, o ameaça perigosamente, não em
razão dos fins que ela quer alcançar, mas por sua mera existência fora do
direito.
Neste
sentido, o que se esconde por trás da ideia de leis de bem social e de justa
medida é uma ideologia pautada na regulação universal da sociedade para, na
realidade, ocultar interesses outros da classe dominante na figura do Estado.
Para Marilena Chauí (2006, p.82),
através do Estado, a classe
dominante monta um aparelho de coerção e de repressão social que lhe permite
exercer o poder sobre toda a sociedade, fazendo-a submeter-se às regras
políticas. O grande instrumento do Estado é o Direito, isto é, o
estabelecimento das leis que regulam as relações sociais em proveito dos
dominantes.
Já um outro modo de
interpretar a justiça que foi e ainda é bastante relevante na sociedade, origina-se
do discurso bíblico cristão que afirma que quem detém poder absoluto de arbitrar pelas causas humanas e
nas relações sociais é Deus. Na Epístola aos Romanos (Cap.12:19), São Paulo
diz: “amados, não façam justiça por própria conta, mas deixem a ira de Deus
agir, pois o Senhor diz na Escritura: “A mim pertence a vingança; eu mesmo vou
retribuir.”” Na carta de São Paulo, há uma advertência para as ações vingativas
dos indivíduos, retirando o direito desses para suas reparações e transferindo
o poder de arbítrio para Deus. Ninguém possui o direito do livre agir com
relação à cobrança de algum mal e, se o fizer, pode até ser punido pela justiça
divina. O monopólio do poder punitivo troca de mãos hoje, deixando a esfera
religiosa em favor da dimensão laica da justiça estatal moderna.
No
entanto, apesar de estas duas vertentes, a religiosa e a estatal, procurarem construir
uma noção de justiça plena, parece sobreviver uma noção de justiça baseada em
um direito natural. Deste modo, num primeiro momento, a leitura destas estórias
de vingança presente em Nhô Guimarães
aponta para a existência de um código bem instituído e difundido no contexto
sertanejo, que se aproxima muito do mandamento seco e árido de Talião, presente
na Escritura bíblica em Êxodo (Cap.21:24). O princípio do “olho por olho, dente
por dente”, impetra um equilíbrio forçado ao regular as ações de reparações de
danos entre os indivíduos, além de buscar uma tentativa de impedir que a
própria vingança se torne desregrada e ultrapasse seus limites.
Em
muitos causos contados pela narradora sertaneja, a apropriação da vingança é de
suma relevância para a construção da narrativa e, mais ainda, para a
concretização e o desfecho de várias estórias. A vingança sendo ela, a própria
vindita, configura-se como o cumprimento legítimo de uma promessa que tem o
valor de lei para os sujeitos deste contexto. Mas uma lei que, antes de tudo, é
cultural, e não, institucional e individualista. Assim, o ato de violência ou a
desforra exercida por membros de uma mesma ou de diferentes comunidades possui
uma razão de ser cuja instituição se dá a partir da sobreposição de um ideal
coletivo em relação ao desejo individual (LIPOVETSKY, 2005, p.147). Isso
contraria a ideologia do individualismo burguês e citadino, fruto de um sistema
capitalista que incentiva a concorrência entre os sujeitos e que também congrega
uma ideia de vingança, estando muito mais próxima de um ideal romântico e
iluminista.
Esta
lei ou este código constitui, de fato, uma regra de interação entre os sujeitos
que compartilham certa identidade cultural sertaneja. Portanto, não se trata de
violência gratuita ou de selvageria de um povo que vive à margem da lei
(institucional). Acerca disso, Franco (1974, p.25) assevera que
os
ajustes violentos não são esporádicos, nem relacionados a situações cujo
caráter excepcional ou ligação expressa a valores altamente prezados os
sancione. Pelo contrário, eles aparecem associados a circunstâncias banais,
imersas na corrente do cotidiano. [...] A violência que os permeia se repete
como regularidade nos setores fundamentais da relação comunitária: nos
fenômenos que derivam da “proximidade espacial” (vizinhança), nos que
caracterizam uma “vida apoiada em condições comuns” (parentesco). Essa
violência atravessa toda a organização social, surgindo nos setores menos
regulamentados da vida, como as relações lúdicas, e projetando-se até a
codificação dos valores fundamentais da cultura.
Para a apropriação ficcional de um
tema social relevante e característico de determinada cultura, como é o caso da
vingança, o autor se dispõe a fazer um levantamento de suas características
peculiares que poderão lhe servir de combustível para dar movimento às ações de
seus personagens. Segundo Coutinho (2008, p.51), “a narrativa implica uma técnica
de arranjo e apresentação, que lhe comunica estrutura arquitetônica, beleza de
forma e unidade de efeito.” E o tema acaba constituindo uma espinha dorsal
desta “estrutura arquitetônica”, na qual todos os outros elementos
preponderantes para a construção, como o tempo, o espaço, os personagens, o
enredo e todas as peculiaridades estilísticas que compõem o todo da obra
literária, se encontrem interligadas através deste fio condutor. Neste sentido,
a vingança com o seu propósito de desencadear um deslocamento de ações e de
atitudes dos personagens envolvidos a partir de um conflito, para que a
narrativa produza um desenvolvimento e a busca de um desenlace até que esse aconteça
se configura como um tema de grande relevância para a composição literária deste
gênero, como, de fato, ocorre em algumas estórias encontradas no romance Nhô
Guimarães.
Últimas
considerações
O código da
vindita no sertão requer aprofundamento analítico, sobretudo se se quer
compreender o caráter formador de seus princípios culturais. Trata-se de uma
prática social regulamentada em seu contexto, diferentemente, das práticas de
conduta e de violência originadas no ambiente citadino que é bem mais vigiado e
controlado pela polícia e pela legislação escrita, características fundantes e
peculiares da ordem das instituições estatais modernas. Afinal de contas, há
configurações culturais distintas que possuem, cada uma, um modo peculiar de
aprender, agir e difundir suas noções sobre suas próprias condutas e costumes.
O que se
pretende, com o desenvolvimento e aprofundamento deste estudo, é a produção de
conhecimento que negue qualquer juízo de valor ontológico padronizado sobre as
condutas dos sujeitos que se inserem neste código sertanejo, ou noutros
códigos, cuja força e poder do contrato, via palavra oral, firmado entre os
membros envolvidos nesta cultura tornam-lhes bem mais legítimo do que qualquer
lei de papel ou da linguagem escrita, uma característica do Direito
institucional do Estado moderno, presente na origem e na fundação das cidades.
Neste sentido, ancora-se nos postulados teóricos de Candido (2006a, p.53),
quando esse afirma que...
a verificação de que as culturas
são relativas leva a meditar em tais singularidades, que seriam explicadas, não
à luz de diferenças ontológicas, mas das maneiras peculiares com que cada
contexto geral interfere no significado dos traços particulares, e
reciprocamente, - determinando configurações diversas.
Esta
concepção interpretativa a que se faz preferência pretende evitar um ponto de
vista unívoco e unidirecional que, com certeza, anularia várias possibilidades
de conhecer e compreender as manifestações culturais peculiares de diversos
grupos sociais não enquadrados num modelo analítico, que utiliza-se da
observação de uma conduta moral e ética do homem ocidental civilizado como
parâmetro comparativo para outras culturas.
Por fim, as primeiras análises da
construção ficcional desta narrativa do escritor contemporâneo, Aleilton
Fonseca, indicam que a temática sertaneja está sendo revisitada e
reinterpretada, visando encontrar parâmetros adequados de abordagem da sua
cultura específica de forma mais atualizada e pouco idealizadora. Assim, a
homenagem ao cinquentenário da obra rosiana, Grande Sertão: veredas, não é por acaso e menos proposital do que
possa parecer. Antes de tudo, trata-se de uma continuidade desta visão sobre o locus sertanejo, tanto geográfico como
simbólico, que o mestre mineiro aprofundara na literatura nacional, mas que
também apontou veredas possíveis para outras leituras dentre as quais se
apresenta a de Nhô Guimarães.
LA
VENGANZA DE LOS CAMPESINOS EN LA NOVELA NHÔ
GUIMARÃES DE ALEILTON FONSECA
RESUMEN:
A partir de una relectura de
algunos cuentos relatados en la novela Nhô Guimarães (2006), de Aleilton
Fonseca, en el cual se destaca la venganza motivada, a priori, de honor y
justicia del campesino como fuerza propulsora de las manifestaciones de
violencia que cada unidad narrativa, este texto pretende analizar, aún en un
discreto, el valor cultural de este
código de vindita en el interior y sobre la propiedad ficticia de esta
temática. Es ancla, más cuidadosamente,
en postulados teóricos de Antonio Candido (2006a; 2006b); Afrânio Coutinho
(2008); Gilles Lipovetsky (2005) y Walter Benjamin (2011), para este primer
análisis.
PALABRAS-CLAVE: Cultura; Interior; Narrativa;
Venganza.
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