quinta-feira, 4 de junho de 2009

ENTREVISTA COM ALEILTON FONSECA

Encontrei essa entrevista no blog SOPA DE POESIA

e gostaria de compartilhar...

Autor: Gustavo Felicíssimo

Gustavo Felicíssimo – Para você, Aleilton, quais podem ser as chaves de acesso à poesia?

Aleilton Fonseca – O acesso à poesia se dá por dois fatores iniciais. Primeiro, por indução e incentivo à leitura, através de recomendações de um leitor mais experiente, sejam pais, parentes, amigos, professores. Depois, esse acesso se dá através da sensibilidade pessoal, quando a própria pessoa, uma vez iniciada na leitura de poemas, vai fazendo suas descobertas e ampliando paulatinamente a sua experiência de leitura e de compreensão de obras e autores, tornando-se um leitor cada vez melhor. Nem todas as pessoas se identificam com a natureza do texto lírico, embora algumas vezes na vida possam experimentar momentos de percepção e fruição poéticas. Gostar de ler é uma tendência que precisa ser estimulada. Gostar de ler poesia é uma vocação rara, quase um dom; um sopro de uma sensibilidade especial. O acesso à poesia é misterioso; exige uma conjugação de sensibilidade, inteligência e capacidade de percepção para além do lógico, prosaico e cotidiano.

GF – Em um ensaio muito bonito e útil, você reflete sobre a situação do poeta na sociedade contemporânea, onde afirma que "o poeta moderno vive uma situação de deslocamento". Estamos, definitivamente, condenados a estar fora de contexto?

AF – Na antiguidade clássica, Platão expulsou o poeta da República, por uma questão filosófica. Como produtor de um discurso metafórico e imagístico, ele é "deslocado" da pólis, lugar de convívio dos homens práticos, senhores do discurso da ordem e dos saberes racionais. Na modernidade capitalista ocidental, o poeta foi expulso da metrópole por uma questão econômica. Como produtor de um discurso que se recusa a ser mercadoria, ele é "deslocado" do oikos¸ lugar de convívio dos homens práticos, donos do discurso da ordem e da produtividade de bens de consumo de massa. No entanto, em sua condição de deslocado, ou seja, fora de lugar, o poeta pode observar o mundo, com distanciamento e amplitude de visão, transformando sua experiência e vivências em discurso, numa linguagem de enunciação crítica da pólis moderna e contemporânea. Sua condenação é, semelhante àquela de Sísifo, rolar a pedra da poesia até o ponto mais alto possível da consciência humana. E recomeçar sempre a mesma jornada, repetindo os discursos da poesia moderna na contra-mão da própria modernidade.

GF – A poesia é a legítima defesa do poeta?

AF – A poesia é a legítima defesa e a condenação do poeta. Se perder a voz poética, ele pode entrar em sofrimento existencial. Anula-se, tornando-se um ser comum, em meio à multidão sem rosto. Por outro lado, o exercício da poesia o torna um ser marcado, para quem os homens práticos olham com desconfiança e disfarçada comiseração.

GF – Que relações você percebe estabelecer entre a sua obra em prosa e a sua poesia?

AF – A princípio, prosa e poesia são diferentes modos de produzir linguagem literária; mas já não se repelem entre si; ao contrário, muitas vezes se juntam, amalgamam-se, na poesia prosaica, na prosa poética, na narrativa lírica, no poema narrativo. Na modernidade, definitivamente a prosa e a poesia fizeram as pazes; uma convoca a outra para andarem juntas nos textos. Tanto na poesia como na prosa, eu penso que sou um autor que parte de leituras da tradição moderna para dizer algo novo numa linguagem ao mesmo tempo trabalhada e acessível, simples e comunicativa. Quero ser simples, sem ser simplório. Meu objetivo não é complicar; mas sim encantar e impressionar o leitor. Mesmo que isso o incomode um pouco. Literatura é um diálogo cifrado à distância, no tempo e no espaço. O escritor escreve o que pensa e sente estar escrevendo; o leitor lê o que pensa e sente estar lendo. Cada qual forja seu texto, sua leitura, sua compreensão pessoal e intransferível do texto e da vida. O que lemos e sentimos, hoje, no texto de Dante, será o mesmo que ele pensou e sentiu ao escrever? Não, definitivamente não. Literatura é este mistério simples e insondável.

GF – Machado de Assis foi um bom poeta, porém seus contos e romances são extraordinários, o que fez os seus poemas serem relegados a um segundo, e até terceiro plano pela crítica e também pelos seus leitores. Dada a aceitação da sua obra em prosa por parte da crítica, leitores e mercado, você crê que isso também pode acontecer com os seus poemas?

AF – Em primeiro lugar, é impossível comparar um nome altamente consagrado, como Machado de Assis, com um simples autor contemporâneo. Mas, na verdade, tudo tem sua contrapartida lógica e necessária. Talvez até por causa desse relativo esquecimento, acaba de sair uma esmerada edição das poesias completas de Machado de Assis, por uma grande editora. Assim, os leitores são convidados e provocados a ler sua poesia. Ora, as circunstâncias também fazem o escritor. A ficção, sobretudo o romance, tem muito mais atenção das editoras, dos críticos e do mercado. Se o poeta escreve um romance, ou mesmo um livro de contos, tem mais chance de editar, crescer, ganhar algum dinheiro de direitos autorais. Se ele diz ao editor que tem um livro de poemas, recebe uma resposta lacônica e evasiva. Se anuncia um livro de contos, recebe a vaga promessa de que a obra será avaliada. Mas, se disser que está concluindo um romance, o editor logo se anima: "Ao terminar, mande-nos imediatamente". O que significa isso? Poesia não vende ou não querem vender poesia? Ficarei como poeta? Ficarei como ficcionista? Aliás, ficarei? Não sei. No fundo isso não me preocupa muito. Sou, sobretudo, um escritor: escrevo crônicas, contos, romance, ensaios e poesia. A crítica e os leitores que façam bom proveito, como acharem melhor. Fico satisfeito e agradecido que me leiam, que me notem, que avaliem o meu trabalho, quer seja poesia, ensaio ou ficção. O tempo é o verdadeiro e implacável juiz.

Fonte: http://sopadepoesia.zip.net/arch2008-03-30_2008-04-05.html

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