Memória, história e ficção
Aleilton Fonseca
A configuração identitária dos povos nunca foi um processo claro e pacífico. A história tem mostrado como as diferenças provocam conflitos, levam à intolerância e à discriminação. Em face disso, a literatura muitas vezes se torna uma forma de representação crítica, mostrando a crueza e o absurdo de realidades que precisam ser compreendidas e superadas. A obra de João Ubaldo Ribeiro mostra-se atenta a essas questões, ao abordar diversos aspectos da formação social do povo brasileiro.
O livro de Olivieri-Godet debruça-se sobre as construções identitárias do autor de O albatroz azul, para examinar uma das facetas mais significativas de sua obra. A ensaísta, que leciona na Universidade de Rennes 2, na França, já publicou diversos artigos sobre as representações literárias das relações culturais contemporâneas. No novo ensaio, ela analisa Viva o povo brasileiro, Vila Real, o Feitiço da ilha do pavão, A casa dos budas ditosos, as crônicas do livro Um brasileiro em Berlim, além de contos do livro Já podeis da pátria filhos. Godet aborda os textos ficcionais a partir de uma conceituação teórica específica, citando autores brasileiros e franceses, como Antonio Candido, Silviano Santiago, Zilá Bernd, Francis Utéza, Georges Bataille, Gérard Genette, Gilles Deleuze, e os caribenhos Patrick Chamoiseau, Édouard Glissant, entre outros.
Nos quatro capítulos do livro, a autora estabelece conexões entre as obras de Ubaldo e as questões identitárias, demonstrando suas recorrências, seus significados e sua abrangência. Com isso, insere a literatura brasileira na problemática das identidades, como ponto de partida para situar o lugar ocupado por João Ubaldo nesse universo temático. Seu estudo aponta o percurso do ficcionista, desde a tendência carnavalizante de Vencecavalo e o outro povo (1974), passando pelo neo-realismo de Vila Real (1979), até chegar a uma ficção que “faz coexistir uma visão épica e dramática com a perspectiva carnavalesca, que, cada vez mais, terá tendência a se impor em sua obra” (p. 28).
Em suas análises, Godet anuncia que, em João Ubaldo Ribeiro, “a problemática da identidade nacional afasta-se da homogeneização dos traços culturais, privilegiando uma representação plural da identidade brasileira” (p. 28). Para demonstrar seu ponto de vista, ela coteja os textos ficcionais com o aparato teórico, privilegiando a articulação entre as estratégias narrativas e as figurações identitárias operadas pelo escritor.
O ensaio correlaciona memória, história e ficção, e aproxima identidade, território e utopia, mostrando marcas da voz autoral, intertextualidades, técnica e estratégias narrativas. Segundo a autora, Ubaldo implode estereótipos, instaura a pluralidade de vozes, revelando a face obscura e conflituosa da formação identitária brasileira.
Godet mostra como os textos de João Ubaldo refletem sobre os dilemas de nossa época, ainda marcada por reações de intolerância diante de certas manifestações da diversidade cultural e identitária. Dessa forma, considera que sua ficção contribui para que entendamos melhor a sociedade em que vivemos, identificando seus conflitos e suas possíveis soluções.
Resenha do escritor Aleilton Fonseca, publicada no Jornal do Brasil.
Ideias & Livros, em 5/12/2009, p. 6.
Rita Oliveri-Godet (São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABL; Feira de Santana: Editora da UEFS, 2009).
Um comentário:
Comprei o livro e estou me deliciando com a temática. Att. Maria Rios de Oliveira.
Tive o prazer de conhecer o escritor, o doutor Aleilton na UEFS quando estava fazendo a 2ª e 3ª etapas para o Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural.
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