quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O GALANTEADOR - Aleilton Fonseca

A mulher ia tranquila pela calçada, em direção a sua residência, quando percebeu que, da janela de um automóvel, vinha o aceno de um desconhecido. Primeiro olhou discretamente, sem intenção de atender. O homem foi encostando o veículo, e insistiu no aceno, com um sorriso simpático. Ela hesitou em atender. Mas pensou: ora, ele deve estar querendo uma informação. Aproximou-se do motorista e, antes que dissesse algo, ouviu a abordagem inusitada:
– Oi, amor! Para onde vai? Quer ir comigo, minha linda?
Ela estacou, surpresa por um instante. Imediatamente se refez do susto, e riu divertida, achando a cena mais que engraçada, totalmente bizarra. O homem aguardava a resposta, com uma vaga esperança nos olhos semi-cerrados diante da intensa claridade do dia.
– Não, senhor; muito obrigada. Eu moro aqui perto.
– Que tal um chope? Vamos bater um papo.
– Não, agradeço pela gentileza.
Aproximando-se, a mulher olhou mais detidamente para o homem. Moreno, ligeiramente calvo, aparentava uns 45 anos. A marca nítida da aliança denunciava que ele a tirara do dedo, a fim de buscar um affair passageiro. Parecia um marido típico, afundado na rotina de um casamento saturado.
– Eu preciso bater um papo com você, amor! – ele insistiu.
– Ah, eu gostaria mesmo de falar com o senhor – disse a mulher, assumindo uma postura mais ativa.
O homem se animou. Então ela estava a fim de papo! Se conseguisse ganhá-la por um instante, seria a glória do dia. A mulher, com um olhar agora incisivo, continuou o diálogo:
– Em primeiro lugar, esse cigarro está lhe fazendo mal.
Ele, no susto, imediatamente esfregou o cigarro no cinzeiro do carro e atirou o toco longe, para demonstrar claramente a sua renúncia.
– Só fumo de vez em quando – explicou, na defensiva.
– Não devia fumar nunca. Isso mata a pessoa aos pouquinhos.
O homem, com o olhar intimidado, prestava atenção à conversa, entre curioso e espantado. A mulher prosseguiu a inspeção:
– Precisa ir à academia cuidar desses pneuzinhos aí...
– Ah, eu vou... semana que vem eu volto a malhar.
– E essa barriguinha de chope? Vai deixar de beber ou não vai?
– Sim, parei a partir de agora – prometeu, cruzando dois dedos sobre os lábios.
– Está acima do peso. Deixe o carro em casa e vá caminhar.
– Sim, sim: meu médico sempre me cobra isso – informou, assombrado.
– Por falar nisso, há quanto tempo não faz seus exames?
– Pois é... – murmurou, já encolhido, agarrando-se ao volante.
– E tem um exame que precisa fazer logo.
– E qual é? – perguntou, curioso e humilde.
– Está apertando muito os olhos... Faça um exame de vista urgente.
– É, tem razão – concordou, visivelmente vexado.
– E sua mulher? Cuide mais dela, leve-a para passear, viajem juntos.
– Pode deixar, pode deixar... – disse ele, já acionando o motor do carro.
– Se cuide, hein!
– A senhora por acaso é médica? – indagou, num tom respeitoso.
– Sou advogada, casada, e tenho 48 anos.
– Nossa! Eu lhe dava uns 30... – espantou-se, encabulado.
– Obrigada! É que eu não bebo, não fumo, como pouco, faço caminhada, durmo bem, pratico esporte, viajo muito... e sou fiel.
– Ah, bom... eu já vou indo... – ele engatou a marcha, queria fugir dali e enfiar a cabeça no chão.
A mulher sorriu; estava satisfeita com o resultado de seu contra-ataque. Percebeu que o homem, sem graça e desfeito, talvez pensasse consigo mesmo: “Bem que eu podia dormir sem essa”. Literalmente. Ele acionou o acelerador e já ia se afastando, quando a mulher fez a última recomendação:
–Tem um exame que deve fazer amanhã mesmo!
– E... qual é? – gemeu ele, quase em sofrimento psicológico.
A mulher sorriu divertida e arrematou o colóquio, enquanto o galanteador esperava o sinal abrir para sumir dali correndo:
– Seu primeiro exame de próstata!


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Este texto faz parte do livro
"A mulher dos sonhos & outras Histórias de humor"

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