sábado, 6 de junho de 2009

O homem cria a poesia, a poesia recria o homem


ou a poética existencialista de Aleilton Fonseca


Por: Gustavo Felicíssimo

O homem cria a poesia, a poesia recria o homem. É dessa forma que podemos olhar para a poética existencialista de Aleilton Fonseca, um grapiúna de Firmino Alves que passou a infância e a adolescência entre Ilhéus e Uruçuca. Aleilton reside em Salvador desde 1996 e sempre fez do estudo ligado à literatura o seu pão de todo dia, pois para ele "a literatura é uma sentença de vida; uma forma eficaz de conhecer profundamente o ser humano".

Membro da Academia de Letras da Bahia e Doutor em Letras pela USP, Aleilton é professor do curso de Letras da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), fundador e co-editor da revista de arte e cultura Iararana, se notabilizou como contista e nessa área publicou Jaú dos bois e outros contos (1997), O desterro dos mortos (2001), Canto de Alvorada (2003) e o formidável Nhô Guimarães (2006), um romance (de contista, segundo o próprio autor) concebido como uma homenagem ao escritor João Guimarães Rosa no cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas. No entanto seus três primeiros livros foram todos de poesia: Movimento de sondagem (1981), O espelho da consciência (1984) e Teoria particular (mas nem tanto) do poema – ou poética feita em casa (1994).

Alguns poemas desses três primeiros livros formam, juntamente com outros poemas inéditos ou publicados de forma avulsa, o opúsculo As formas do barro e outros poemas (2006), uma seleta que comemora os seus 25 anos no fazer poesia e que nos dá uma boa idéia dos elementos que a compõe.

Há na poesia de Aleilton Fonseca uma tensão entre o clássico e o moderno, um querer embriagar-se que sabe dos perigos de tal atitude, por isso mantém um pé na tradição e outro na contemporaneidade, estabelece uma ordem entre o presente e o passado, dentro de uma forma modelar, reflexo da incerteza de um futuro frente ao presente fragilizado, explicitado no poema Sondagem: No exercício da palavra/ ressuscito de meus naufrágios/ e construo novos barcos.// Encho-os de sorriso/ que satisfazem aos desavisados.// E, pois, sol após sol,/ singro o mar que não sei/ e adio o suicídio/ que nunca cometerei.

Quando possuímos alguma qualidade literária podemos evocá-la por precisarmos reconhecer nossa capacidade, concisão, graça ou leveza. Podemos, assim, estar fortalecidos no momento de utilizá-la em benefício da nossa poesia sem que seja necessário buscar um exemplo de boa aplicação em outros autores, de modo contrário nos tornamos imitadores baratos dos nossos pares ou daqueles que nos precederam. Assim Aleilton ousa misturar em seu caldeirão algo da poesia concreta de Décio Pignatari com os preceitos modernistas dos escritores da Semana de Arte de 1922 no poema Consumatum est: Compre: beba, coma, vista/ pegue, passe, pague, gaste-se/ entre, coma, entre em coma/ vista bacana, beba bacana/ babe, beba, gaste a grana/ compre linha, linho, lã. (...) Cheque o seu cheque e mate-se:/ impreste-se, suco ou muco,/ ao consumo, à soma, avaro,/ consuma-se de vez em vão,/ corra, suma pelo ralo, morra,/ mas ainda compre: um caixão.

Ousadia pura que se alicerça no domínio da linguagem, do ritmo, da estética e na maturidade de um autor que conhece e reconhece as montanhas do seu tempo, as respeita, e as homenageia como no poema Canto de água preta, onde o poeta brinca com o nome de outro bardo grapiúna, Florisvaldo Mattos: (...) É um canto de verdes passagens/ com flores, vau do (rio e) matos,/ às sombras frias dos cacauais,/ com seu corpo de ventos e regatos/ e vozes de almas vivas e vendavais.(...)

Os poemas apresentados até aqui, bem como todos aqueles inseridos em As formas do barro e outros poemas, obviamente, possuem autonomia enquanto unidade rítmica e semântica, mas estão incluídos em um conjunto, um projeto que mostra a cosmovisão do autor interessado pela essência poética, revelando que um poema não é apenas um fenômeno de linguagem, mas também de idéias. Prova disso é o destaque que tem as críticas em relação ao comportamento da nossa sociedade e a metaposeia em sua obra. Sobre este último exemplo, vários poemas poderiam ser destacados, inclusive o que dá título ao livro, porém preferimos eleger outro, o poema Manifesto, que também poderia se chamar "Profissão de fé", título de um poema de Olavo Bilac que traz em si o mesmo tom confessional que este de Aleilton: Se contenho/ o impulso da minha palavra/ não sobrevivo à mudez:// Palavra é vida.// Se as armas capitulam/ às amarras do dia-a-dia,/ sangram ante ao fio do cutelo;// Mãos atadas; mãos decepadas.// Se as veias não veiculam/ a brasa do sentimento,/ sucumbem ao gelo da vida pedra.// Nada mais resta/ senão fazer-se vida.

Enfim, "estamos diante de um poeta consumado, alguém que, nos últimos 11 anos, a despeito de quase haver trabalhado contra a divulgação de seus próprios poemas, não conseguiu abandonar a poesia, ou ser abandonado por ela.", disse o jornalista, crítico literário e poeta Ricardo Vieira Lima, prefaciador do livro aqui apresentado.

Artigo publicado originalmente no Jornal Agora, de Itabuna, Caderno Banda B


fonte:http://sopadepoesia.zip.net/arch2008-03-30_2008-04-05.html

2 comentários:

Lisiane Souza disse...

olá!!!Também sou pesquisadora da obra de Aleilton.Atualmente trabalho com seu livro de poemas "As formas do barro e outros poemas" e minha próxima pesquisa será sobre o livro "O desterro dos mortos".Posso contribuir com o blog também.Vou manter contato...

Literatura já disse...

Certo Lisiane, aguardo contato e agradeço a contribuição...meu trabalho foi sore o livro o desterro dos mortos, e conheço o as formas do barro e outros pemas, um livro encantador...deixe seu email aqui p contatos...abraços paula